quarta-feira, 27 de junho de 2012

Pristino


Floresta natural dos Açores, um dos poucos ambientes pristinos do planeta Terra.
Foto: PH Silva SIARAM

Por sugestão de um bom amigo, estive a ver um conjunto de documentários televisivos sobre ambientes pristinos com a autoria da BBC. Paradoxalmente, os locais alegadamente pristinos, como ficou provado pela investigação conduzida, são tudo menos pristinos. Ou seja, Amazónia, Serengueti e Yellowstone são lugares razoavelmente alterados pela mão do homem moderno.  Para além das alterações globais, que afetam qualquer local à face da Terra, para além das alterações provocadas nas fronteiras destes locais, que modificam padrões de migração de animais e circulação de elementos, há um conjunto de alterações feitas pelo homem na tentativa de preservar os locais que involuntariamente se tornaram muito pouco inertes. Também os próprios seres humanos, indígenas dos locais, alteraram e geriram estes locais durante centenas de anos. Seria difícil explicar todos os detalhes neste artigo, mas, depois de ver aqueles documentos, ficamos com uma estranha sensação de permanente mácula. Não há qualquer local no nosso planeta que testemunhe um tempo sem seres humanos… Ou talvez não. Na Antártida há amplos espaços sem qualquer sintoma visível de seres humanos. E, no mar, há amplos ecossistemas e habitats livres da sombra humana. Como não podemos facilmente ir até à Antártida, resta-nos o mar. E se há coisa que os Açores têm é mar!
Claro que há zonas pescadas e amplamente exploradas, pelo que não será aqui que poderemos encontrar os ambientes pristinos. Também nas zonas costeiras, por causa das espécies invasoras transportadas pelos homens, os ambientes virgens estão ausentes. No entanto, estes organismos ainda não conseguiram chegar para lá dos mil metros e a estas profundidades não há pesca. Aqui sim, principalmente em habitats bem vincados, encontramos ambientes pristinos. Na minha opinião, os mais impressionantes são as fontes hidrotermais de grande profundidade. Aqui há espécies de peixes, moluscos e crustáceos que se aproximam dos limites da imaginação e estão totalmente distantes de qualquer sombra humana.
Portanto, quando quisermos dar um exemplo de um habitat verdadeiramente pristino, muito melhor do que os grandes paraísos naturais em terra, que não passam a este nível de embustes, no Mar dos Açores podemos encontra-los. Não há alterações climáticas globais, limitações à migração, populações indígenas ou tentativas de gestão intrusivas. Aqui e em poucos mais sítios no Planeta Terra, podemos orgulhar-nos de ter ambientes intocados pelo homem. Mesmo os despejos e os restos que a gravidade e as correntes arrastam são tão raros que não se fazem notar.
É também por esta razão que mesmo a investigação científica que se faz nas fontes hidrotermais de grande profundidade tem de ser previamente pensada e muito bem justificada. Até agora, os cientistas têm tido o cuidado de não ser demasiado intrusivos. Teremos de manter este pensamento no futuro. Estudar, sim, usar, com moderação, e conservar para as gerações futuras.
Mesmo em terra, nos Açores ainda há, pelo menos, um local intocado. Tanto quanto sei, não há memória da floresta laurissilva da zona central da ilha Terceira ter sido usada. Apesar da pressão feita pelas populações, da utilização agrícola dos seus extremos e da entrada progressiva de espécies invasoras, como o incenso, estas manchas ainda são testemunhas de um tempo sem homens. Praticamente, não há paralelo na Europa e na América.
Graças a um povoamento recente e à inacessibilidade de alguns dos nossos espaços, temos nos Açores locais que causam a cobiça e a curiosidade de outros. Até pelo valor que podem ter para a visitação não intrusiva, devemos manter estes locais, tanto quanto possível como estão. É um legado para os que nos sucederem. 
Não podemos dramatizar demais. Segundo os próprios documentários, não há ambientes pristinos na Terra por uma razão simples: os seres humanos fazem parte do ecossistema. Com este pensamento, admiremos as nossas singularidades açorianas e orgulhemo-nos de ser assim. Poucos o são!

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