sexta-feira, 25 de maio de 2012

Planeamento Oceânico

Mesmo as pequenas anémoas terão enorme valor com o correto planeamento.

Tive a oportunidade de passar alguns dias com meia centena dos maiores especialistas mundiais em planeamento dos oceanos (*). Durante três dias, embrenhei-me nas mais avançadas e exigentes metodologias de planeamento dos oceanos do nosso planeta, erradamente chamado Terra. Estiveram presentes representantes dos Estados Unidos da América, Japão, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Noruega e, entre muitos outros, claro está, de Portugal através dos Açores.
Tal como nos Açores, no resto do mundo está-se a ver no mar uma nova esperança para a obtenção de recursos e resolver problemas de emprego, num espírito de desenvolvimento sustentável. A grande diferença entre as realidades com que fui confrontado nesses dias e a dos Açores está nas pressões a que o mar de outras latitudes e longitudes está sujeito e no seu impacto económico. Como consequência, também são contrastantes os meios humanos e financeiros em jogo. Há regiões a investir milhões de euros e integrando equipas com dezenas de técnicos especializados e dedicados ao planeamento do seu mar.
Foi minha perceção que, no que ao planeamento marítimo diz respeito, a situação dos Estados Unidos da América e a do bloco Europeu, são substancialmente diferentes.
Os Estados Unidos estão agora empenhados em percorrer um caminho de regresso ao mar que tenta, por um lado, estabelecer uma rede de áreas marinhas protegidas, hierarquizar a prioridade de usos e identificar novas possibilidades de utilização, mas, ao mesmo tempo, resolver um enorme problema de autoridade. É que, neste enorme país, o mar está esquartejado em subáreas em que mandam dezenas de agências coroadas pelo Governo Federal, Governo Estadual ou Autarquias, conforme a distância à costa. Penso que este enorme puzzle resultou, em parte, de uma aversão dos norte-americanos à Lei do Mar das Nações Unidas. Caso se tivessem comprometido com os desígnios desta lei, teriam também tomado a responsabilidade inerente à sua proteção e uso sustentado. Não o tendo feito em tempo, estão agora a dar passos vigorosos nesse sentido. Pelo que vi neste simpósio nos Estados Unidos e conhecendo a dinâmica do novo Continente, penso que em breve estarão a lutar pela liderança nesta temática.
Na Europa, começámos há mais tempo e, como de costume, de forma dessincronizada e desorganizada. Na maioria dos países, as áreas marinhas protegidas já estão estabelecidas, assim como os seus usos, mesmo os inovadores (como as energias alternativas), e as respectivas autoridades, mesmo nas áreas mais complexas. Assim, o planeamento marítimo tem sido utilizado para “pegar nas pontas soltas” e criar a coerência necessária à sua boa utilização, remover conflitos e inspirar novos usos.
Nos Açores, com base no Governo Regional, estamos ativamente a trabalhar na integração entre as diversas figuras de planeamento e gestão, tanto costeira como marítima, e as novas ideias para alicerçar o nosso Plano deOrdenamento do Espaço Marítimo dos Açores (POEMA). Temos estado a recolher informações dos diferentes utilizadores, incluindo alguns potenciais. O que já temos é promissor, mas queremos chegar mais longe.
Durante a celebração do Dia Europeu do Mar, na Suécia, ficámos a saber que a União Europeia, depois de muitas hesitações, decidiu que quer entrar no planeamento espacial marítimo. Irá criar, até ao final do ano, um quadro legal que garanta o respeito pela componente ambiental e a acessibilidade à informação existente. Afirma a União, através da Comissária Damanaki, que não se quer substituir aos Estados e às iniciativas que os Estados já estão a desenvolver, mas sim garantir uma coerência de base e a real disponibilidade dos dados oceânicos. Para isso haverá um investimento sério em pesquisa e inovação, tendente a um bom mapeamento marítimo onde faltar e à criação das bases de dados capazes de suportar e gerir uma enorme quantidade de informação. A ambição é que no próximo ano, tudo esteja integrado num sistema geográfico disponível para todos. Será uma ação inteligente, coerente e inclusiva. Segundo a Comissária, “a Europa tem a liderança na dimensão marítima e, portanto, não tem desculpa para não tentar liderar nos outros temas azuis. Não temos desculpa!” Não podia estar mais de acordo.

[A deslocação aos Estados Unidos da América mencionada teve o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento]

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sobre a extração de minerais nos fundos marinhos dos Açores

O Banco D. João de Castro possui fontes hidrotermais
onde se pode observar a precipitação de minerais.

Se há tema tentador e complexo é a extração de minerais nos fundos do Mar dos Açores. Entre o que se pensa que existe e o que pode existir, entre quem deve explorar e quem pode explorar e entre quem deve coordenar e quem irá coordenar os trabalhos, existem tantas diferenças que custa ter as ideias claras.
Certeza há apenas uma: há necessidade de explorar os fundos marinhos do nosso arquipélago. Exemplificando, numa recente palestra, dada durante os XIX Encontros Filosóficos da Horta, o Professor Fernando Barriga referiu que, com as atuais taxas de exploração, serão necessários 300 anos de extração para suprir as necessidades de cobalto para a conversão dos carros a combustível nos futuros automóveis movidos a energia elétrica. Segundo ele, no fundo do mar há resposta para essa necessidade e, muito possivelmente, havê-la-á também no mar dos Açores.
Claro que o Professor mediu bem as palavras, como fazem os melhores professores, e não disse que havia muito cobalto. Ele disse “muito possivelmente”. Mas porquê esta incerteza?
O cobalto agrega no fundo do mar, nas chamadas Crostas de Ferro-Manganês e também nos Nódulos de Manganês. As primeiras existem a norte dos Açores, no Moytirra, uma zona hidrotermal recentemente descoberta por uma expedição irlandesa. Portanto, sabe-se que este recurso existe nos Açores, mas não sabemos a quantidade. Ou seja, não sabemos como se estende para além da superfície do fundo do mar ou, posto de outra forma ainda, qual é a tridimensionalidade das eventuais jazidas e, consequentemente, a sua dimensão.
Os segundos, os nódulos, existem a sul da subárea dos Açores da Zona Económica Exclusiva de Portugal (ZEE dos Açores). Neste caso, não há distribuição em subprofundidade de nódulos pelo que “apenas” teremos de verificar a extensão da distribuição horizontal. Tal como o Moytirra, esta zona está dentro da proposta de delimitação da Plataforma Continental de Portugal, recentemente submetida às Nações Unidas.
Dentro da ZEE dos Açores, nos campos hidrotermais de grande profundidade como o Menez Gwen, o Lucky Strike e o Rainbow temos os chamados sulfidos polimetálicos. Estes compostos são ricos em cobre, zinco, prata e ouro… Imaginem a fortuna que podemos ter “entre mãos”…? No entanto, neste caso, há um enorme conflito de interesses. É que, ao mesmo tempo que se adivinha esta riqueza, sabe-se que há espécies biológicas únicas no mundo que ficarão em risco com uma exploração descuidada. Antecipando isso, o Governo Regional incluiu estas áreas no Parque Marinho dos Açores. Desta forma, tenta-se desmotivar a prospeção e exploração de áreas hidrotermais ativas e estimula-se a procura de recursos minerais noutras zonas. Sabe-se que a dinâmica das fontes hidrotermais é muito intensa, representando a sua formação, amadurecimento e extinção um ciclo de poucas centenas de anos. Portanto, tem de haver outras áreas nos Açores, não ativas e que podem estar repletas de metais preciosos e semipreciosos.
Em qualquer caso, é essencial entender como se estendem os mananciais sobre o fundo e no subfundo do Mar dos Açores. E isso apenas será possível se houver ciência, muito boa ciência. Até para compreendermos totalmente o que devemos explorar e o que devemos deixar em paz, é essencial estudar a complexidade dos nossos fundos marinhos.
Tentando também garantir isso mesmo e, ao mesmo tempo, impor o respeito pelas limitações ambientais e a distribuição equitativa dos rendimentos esperados, o Governo dos Açores chamou a si a responsabilidade de dirigir todo o processo. Fê-lo através de um diploma regional (DLR 21/2012/A) que, de tão arrojado, suscitou dúvidas interpretativas por parte do Sr. Representante da República. Não querendo inviabilizar eventuais investimentos (a interpretação é minha), o Sr. Representante autorizou a publicação e consequente entrada em vigor do diploma, mas, em simultâneo, pediu ao Tribunal Constitucional que o verificasse.
Concluindo, neste momento, apenas falta clarificar quem tem capacidade de explorar estes recursos. Globalmente, por ora, a exploração dos minerais existentes no mar profundo ainda não começou. Apenas uma empresa a nível mundial afirma ter condições técnicas para o fazer e é sua intenção iniciar os trabalhos na Papua Nova Guiné ainda este ano. Penso que os Açores terão muito a aprender com esta iniciativa, mas, também, necessitarão de ter uma visão estratégica para esta área tentando angariar as competências próprias para, tão endogenamente quanto possível, se associarem à prospeção e posterior exploração. Estamos em tempo, mas teremos de agir depressa e com determinação.