sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Fazendo Festas!


Uma Cadeira-de-Natal feita pela Bibioteca Natália Correia
e em exposição na Junta de Freguesia de Carnide, Lisboa.  
Foto: F Cardigos.

O período de Natal e Ano Novo é particularmente importante na nossa cultura. Para além da componente religiosa, que me escuso de comentar por falta de conhecimento, apesar de lhe reconhecer enorme importância, há a componente fraternal. Alguém, um dia destes, me dizia que nestes períodos, paradoxalmente, há um aumento nos conflitos familiares, dada a proximidade induzida pela ausência do trabalho e pela reunião de entes distantes. É possível.
Apesar de reconhecer que a tensão pode ser relevante, para mim, o período de festas é, na realidade, um período de íntima reflexão. A falta de pressão por parte do trabalho e a instabilidade meteorológica que inibe a realização de atividades de ar livre, abre-me espaço para um período de intensa introspeção. De facto, vendo bem, todas as grandes decisões da minha vida pessoal foram tomadas em período natalício. Escuso-me a dissertar sobre elas, até porque, por definição, as decisões pessoais são-no isso mesmo.
A um outro nível, o período de festas tem-me permitido fazer, reatar ou reforçar amizades improváveis. A vida do dia-a-dia afasta as pessoas, naturalmente. Ao contrário do que muitos consideram e eu incluído durante muito tempo, hoje penso que este afastamento não é um drama. Simplesmente acontece. Não podemos manter todas as amizades em permanente “ponto de ebulição” e, portanto, é natural que algumas “chamas”, no mínimo, se afastem. Este afastamento não tem de arrastar um sentimento de culpa consigo. As coisas são simplesmente assim.
Reatando “o fio à meada” desta conversa, no período de festas, voltamos a encontrar as amizades distanciadas. Para além da componente divertida inerente aos reencontros, às celebrações, às histórias, a mim regozija-me muito a diversidade e a imaginação que estes momentos me despoletam. As associações e encadeamentos de novos pensamentos que resultam daquelas conversas são inesperadamente catalisadoras de novas ações. É como se, de repente, ficasse com uma nova caixa de ferramentas de soluções intelectuais. No final do período de festas dou por mim a dizer “e se fizéssemos antes assim?!” com uma maior frequência. Os culpados desta alteração comportamental: os meus amigos improváveis!
O Ano Novo e especialmente o Natal, por muito que o meu cérebro pragmático o queira evitar, são especialmente importantes para o reforço do ser e do saber estar. Os sorrisos e os abraços inerentes à família próxima e aos amigos íntimos são a mais importante flama que nos motiva a ser melhores seres humanos no dia-a-dia. Neste período, o olhar dentro dos olhos do outro ou uma simples frase tornam-se num “és importante para mim”, “vai em frente” ou “gosto de ti, pá!”. Pode ter sido repetido, de diferentes formas, todos os dias do ano, mas, neste período de emoções à flor da pele, há um relembrar que se torna imediatamente significativo.
Portanto, em resumo, especialmente hoje, aqui fica a minha mensagem de agradecimento aos meus familiares, amigos e conhecidos por serem quem são e como são. Mesmo que pudesse, não vos mudava um milímetro. A todos um Feliz Natal, um Ano Novo cheio de coisas boas e que o futuro mais distante ainda seja mais sorridente. “Para as curvas”, cá estou atento e cheio de vontade!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fragilidades


Nascer do Sol por trás da ilha do Pico.
Foto: F Cardigos SIARAM.

Quando o telemóvel tocou, senti um ligeiro sobressalto. Apesar de não ser invulgar, nem todos os dias recebo uma mensagem SMS depois das 10 da noite. Apressei-me a ler. Do outro lado do planeta, alguém escrevia: “Esta tudo bem em Ushuaia”. A minha mãe fazia um telegráfico ponto de situação da sua viagem pelo sul da América do Sul.
Preocupa-me deveras a qualidade de vida das pessoas que, depois de terem contribuído ativamente para criar as suas famílias e para o bem-estar económico da sociedade, se reformam. Ao ver certas situações de abandono ou miséria, fico imensamente preocupado, até por isso ser uma enorme injustiça. As pessoas de idade avançada são das mais frágeis e das menos salvaguardadas.
Os meus pais tiveram sorte e a organização que fizeram da sua vida permite-lhes não terem grandes preocupações financeiras. Apesar disso, tendo consciência que nem todos têm essa felicidade, gostaria de contribuir de forma mais premente para que todos pudessem usufruir do mesmo bem. Mas como o fazer?
Foi com o intuito de dar algumas respostas sobre o envelhecimento com qualidade que a Câmara Municipal da Horta, com o apoio do Governo dos Açores, organizou o “Fórum Cidadãos Ativos e Solidários”. Nele, tive a oportunidade de ouvir a comunicação da Professora Maria de Lourdes Quaresma que registei por ser extraordinariamente informativa e concludente. Entre muitos outros detalhes, fiquei a matutar numa frase em particular: “a esperança de vida irá aumentar, mas, a qualidade de vida dos últimos anos pode diminuir”. Ou seja, os avanços médicos têm permitido viver mais tempo, mas os últimos anos são de extraordinária dependência e, algumas vezes, de grande sofrimento. Aquele período que medeia entre o início da degradação da saúde e o falecimento, que antes era relativamente rápido, hoje prolongou-se severamente.
Portanto, o desafio é tentar encontrar as soluções para que o aumento da esperança de vida não aniquile a qualidade de vida dos nossos dias finais. Isso apenas será conseguido com o empenho da sociedade, com os avanços tecnológicos, especialmente na área da saúde, e com um esforço por parte de cada um, contribuindo para a sua educação permanente.
Não há dúvida que um idoso que esteja familiarizado com as novas tecnologias da informação e comunicação, perante uma eventual situação de imobilidade, terá uma grande probabilidade de se manter incluído socialmente. Obviamente, isso apenas acontecerá se conseguirmos coletivamente criar condições de conforto que permitam esse enquadramento económico e social.
Tendo tudo isto em consideração, fico muito contente por estar numa ilha em que a sociedade pensa e reflete em conjunto sobre esta temática e que consegue gerar abnegadas soluções como é, por exemplo, a Universidade Sénior. Com gastos mínimos, para não dizer nulos, os menos idosos vão partilhando o que sabem com os restantes, garantido que estão a par das novas tendências tecnológicas e outras temáticas mais modernas. Estas e outras iniciativas fazem-me ter orgulho em ser faialense!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Menos cagarros salvos, será isso mau?


Cargarros, Calonectris diomedea borealis.
Foto: PH Silva SIARAM

Este ano salvaram-se 1987 aves durante a “Campanha SOSCagarro 2012”. Esse número faz decrescer em mais de mil animais a cifra atingida no ano passado. A primeira assunção é que isso seria mau. Se foram salvos menos aves é porque houve menor empenho na Campanha ou, em alternativa, menos cagarros.
Analisemos.
Este ano participaram na Campanha quatro mil e seiscentas pessoas e, no ano passado, quatro mil e setecentas. Não é um decréscimo significativo, logo, não nos parece que isso seja propriamente mau. Reforçando a ideia de que o empenho não se reduziu, atente-se para o aumento em 47% nas instituições participantes. Fantástico!
Portanto, se não houve redução do empenho, talvez tenha havido uma diminuição do número de aves. Realmente, verificou-se uma diminuição do número de casais nidificantes em cerca de um terço. Os dados são do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e da SociedadePortuguesa para o Estudo das Aves. Na verdade, nem precisávamos dessas indicações. A maioria dos açorianos sentiu que este ano houve menos cagarros em terra. Diversas pessoas, incluindo eu próprio, sentiram a diminuição daqueles grasnares que é impossível descrever por letras ou, muito menos, por palavras.
Paradoxalmente, apesar de ser preocupante e merecer um estudo profundo (e, eventualmente, incremento nas ações de preservação), esta redução de aves nidificantes não se deveria ter refletido na redução de salvamentos. É que, segundo os cientistas, a redução na nidificação foi contrabalançada por um aumento muito significativo no sucesso reprodutivo. Ou seja, as poucas aves que nidificaram fizeram-no com enorme eficiência. Então… Onde andam essas aves?
Pensámos no assunto… coligimos informação… e chegámos à conclusão que, provavelmente, houve dois fatores a retirar os cagarros das zonas de salvamento. Em primeiro lugar, as excelentes condições meteorológicas nos dias em que houve mais aves a sair dos ninhos. Essas condições permitiram que as aves voassem imediatamente para o mar, sem serem atraídas por terra. Para além disso, houve uma enorme redução na iluminação pública. Neste caso, a crise veio reforçar as medidas de economia de energia e isso retirou luz das ruas. Os jovens cagarros agradecem!
Portanto, se, por um lado, tivemos menos aves a nidificar nos Açores e isso necessita de reflexão profunda e ação consequente, por outro lado, a redução do número de salvamentos não é consequência de uma diminuição no empenho na salvaguarda destas aves marinhas.
Há, no entanto, um outro número que exige também atenção. Houve um aumento percentual de animais mortos nas estradas. No ano passado esse número era de 7% das aves caídas e, este ano, subiu para 9%. Certas estradas, principalmente em São Jorge e no Pico, são autênticas ratoeiras para os jovens cagarros. No próximo ano, ter-se-á de equacionar o reforço da sensibilização e mesmo a imposição de limites de velocidade. É apenas por uns dias e em troços que não têm mais de um quilómetro. No entanto, para os cagarros pode ser a diferença entre a vida e a morte. Um assunto a pensar no futuro próximo com alguma atenção.
É fantástico que tanta gente adira anualmente e de forma voluntária e organizada à “Campanha SOS Cagarro”. Estou em crer que esta é a maior ação conservação da natureza de cariz regular de Portugal. Para uma Campanha que já leva duas dezenas de anos de existência, é digno do nosso orgulho coletivo.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Cagarros já saíram da nossa gastronomia


Cagarro, Calonectris diomedea borealis.
Foto: PH SilvaSIARAM

Respostas a entrevista ao Diário Insular. O título é da responsabilidade do jornal.


Cagarros já saíram da nossa gastronomia

Frederico cardigos, diretor regional dos assuntos do Mar

1 – A campanha SOS Cagarro recolheu este ano menos cagarros do que é hábito. Os cidadãos, que costumam acompanhar com interesse essas aves, questionam-se sobre as causas. Já há algumas ideias?
Há menos cagarros. O problema não é novo e ninguém sabe qual a sua motivação ou como o debelar. No entanto, este decréscimo é lento e, a curto ou médio prazo, não coloca em perigo a espécie desde que, curiosamente, se mantenha a “Campanha SOS Cagarro”. O número de aves salvas todos os anos pelos açorianos, seja maior ou menor, é crucial para a sobrevivência da espécie.
O que se passou este ano foi um decréscimo muito acentuado no número de aves nidificantes. Para este decréscimo, aponta-se a possibilidade de ter havido menos alimento. Sendo esta uma espécie muitíssimo bem adaptada, a melhor forma de garantir que o casal reprodutor não se esgota com uma tentativa de nidificação inconsequente, dada a escassez de alimento, é passar para o ano seguinte.
No entanto, segundo os cientistas, as poucas aves que se reproduziram fizeram-no com sucesso. Isso faz com que a pergunta se mantenha. Onde estão as aves que deveriam ter sido salvas? A resposta parece estar nas boas condições atmosféricas que se fizeram sentir nos dias de mais saídas dos ninhos e na enorme redução de luminosidade consequente à própria Campanha e às medidas de contenção energética. Os cagarros, na sua maioria, puderam sair dos ninhos e partir imediatamente em segurança para a sua viagem transatlântica.

2 – Com a persistente falta de alimentos, como é aparente, haverá alguma possibilidade de alteração das rotas de migração dos cagarros, excluindo os Açores?
Não temos dados que apontem para um decréscimo de alimento a longo prazo a influenciar negativamente e em particular os Açores. Este, até prova em contrário, foi um fenómeno pontual. Para além disso, os cagarros nidificam no mesmo local ano após ano. Isso significa que estes animais são açorianos, aconteça o que acontecer.

3 – Os cagarros têm tido muito protagonismo nos Açores, pelo menos nos últimos anos. Isso pode ser bom e mau. Qual o balanço que faz e porquê?
É excelente. É evidente que pode haver excessos e esses terão de ser rapidamente debelados. No entanto, recordo-me das mortandades que havia de cagarros há uns anos atrás, tanto para alimentação, como por puro vandalismo ou por acidente. Hoje é bem diferente e para muito melhor. Há milhares de pessoas empenhadas na salvaguarda das aves, houve uma redução radical na iluminação pública, os cagarros já saíram da gastronomia tradicional e há outro cuidado na condução.

4 – Ver aves e “mexericar” os seus habitats é um ramo do turismo que ganha mercado à escala global. Vê nos cagarros potencial para esse negócio?
Sim. Curiosamente, este será um tema que teremos de tratar neste Inverno. Os cagarros, como todas as aves selvagens, estão protegidos, mas há interesse já demonstrado por empresas privadas e associações na exploração económica dos salvamentos. Obviamente, não podemos recusar a ajuda e, também, devemos dinamizar a economia. No entanto, terão de ser desenvolvidas regras, talvez incluindo o acompanhamento por Vigilantes da Natureza, garantindo que não se irão “salvar” cagarros ao ninho…

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Derrocada!


Ilhéus que resultaram da derrocada na costa noroeste da ilha do Corvo.
Foto: F Cardigos - SIARAM.

Na última quinta-feira recebi um telefonema da ilha do Corvo que era, no mínimo, preocupante. Depois de informado que havia algo por trás da ilha que não se movia, “parecia um navio encalhado”, o meu interlocutor disse-me que estava tão escondido “atrás da terra” que os próprios corvinos não conseguiram perceber inicialmente do que se tratava. “Foram os florentinos que, com melhor ângulo, nos avisaram”. Ele, que tinha acabado de ir às terras altas verificar, disse-me “temos ilhéus novos no Corvo!”
Por sorte, fui designado para ir ao Corvo verificar no local qual o evoluir inicial pós derrocada. Também por sorte, o comandante e copiloto do avião que me transportou ao Corvo fizeram uma boa aproximação ao local do evento permitindo, desde logo, obter bons registos fotográficos. Um simples olhar para as fotografias de 2010, data da última derrocada digna de registo, e os registos agora obtidos ficou evidente o que tinha acontecido. Mais pesada por causa das intensas chuvas e ventos fortes do início da semana, uma massa com cerca de 150 mil toneladas havia deslizado pela encosta noroeste da ilha do Corvo, projetando-se mar dentro e formando um conjunto de ilhéus dispostos em semicírculo.
Restava uma pergunta. Como é que esta enorme massa geológica se pode deslocar sem que ninguém notasse? A resposta parece jazer nas condições meteorológicas que se verificavam no próprio dia do evento. Durante um período bem definido, para além da precipitação e dos ventos fortes, associou-se uma enorme trovoada. Quem sabe se um daqueles trovões, na realidade, não foi este deslocamento? Não podemos ter a certeza da resposta, mas isso constituiria uma boa explicação.
Estava agora no Corvo. Aproveitando a deslocação da lancha da Marinha colocada na ilha das Flores aos novos ilhéus, embarquei e, nas imediações dos ilhéus, verifiquei pela sonda como se distribuía a mancha de sedimentos em profundidade. Nitidamente, cerca da batimétrica dos vinte metros havia um abrupto salto para a dúzia de metros. Era ali que começava a plataforma dos novos ilhéus. O estado do mar não estava propício e, por isso, não foi possível desembarcar. De qualquer forma, no dia anterior, já um residente no Corvo lá havia ido “reclamar” as novas terras. Ali está o mais recente território açoriano. Ali, à minha frente, começa Portugal!
No domingo, aproveitando o bom tempo, e não podendo fazer o que realmente me apetecia, que era desembarcar na Ilha Nova, resolvi atravessar o Caldeirão e ir até ao ponto sobrejacente à derrocada. Não sei o que era mais intenso: o cansaço do trajeto até ao local, a instabilidade do topo da arriba (sentia o reverberar dos meus próprios passos…), o ouvir de permanentes pequenos deslizamentos de terras sobre a encosta externa ao Caldeirão ou a deslumbrante paisagem que me rodeava por todos os lados. No final, a quem me perguntou, respondi “Vale a pena, recomendo e desaconselho…” Com esta forma contraditória tentei transmitir o que sentia, ou seja, apesar de perigosíssimo, não trocava aquele passeio por nada.
Há, na vida, muitas coisas assim, que associam o perigo extremo ao enorme prazer. Ao estar ali, numa arriba com quinhentos metros de altura, penso ter entendido o que sentem os “conquistadores do inútil”. Porquê subir ao topo de uma montanha ou mergulhar às profundezas do oceano? A resposta apenas a entende quem já lá foi. No domingo eu estive novamente num desses sítios! 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Rescaldo


Momento da campanha eleitoral para as Eleições Regionais de 2012.
Foto: F Cardigos.

Alea jacta est”, rezam as crónicas que assim exclamou JúlioCésar depois de ter tomado a decisão de afrontar o Senado Romano e, eventualmente, sair vitorioso. As suas legiões atravessavam o rio Rubicão desafiando Pompeu. “Os dados estão lançados”, resta verificar o resultado.
Lembrei-me desta expressão a meio da noite entre sexta-feira e sábado, depois de ter terminado a campanha eleitoral. Restava então esperar até domingo e verificar o resultado das eleições. Entre a enorme derrota que era apontada pelas alegadas sondagens iniciais para a ilha do Faial e a sensação de trabalho bem feito que fomos tendo durante a campanha, tudo era possível. Esperar…
Ao ver o resultado eleitoral, tive dificuldade em digerir tanto contentamento. Primeiro a vitória nos Açores, depois a vitória no Faial e, finalmente, a maioria absoluta. Tudo nos correu bem. Penso que este foi um bom resultado para os Açores e mesmo para Portugal, mas os próximos anos o dirão.
Voltando um pouco atrás…
Quando teriam Vasco Cordeiro ou Carlos César dito para si próprios “alea jacta est”? Quando é que Vasco Cordeiro terá olhado para os colaboradores de campanha e dito “fizemos o que estava ao nosso alcance, aguardemos”? Quando se reclinou Carlos César na sua cadeira e descomprimiu dizendo para si próprio, “está feito”? Naquela sexta-feira chuvosa, terá Ana Luís conduzido para casa com um sorriso perdido entre a confiança e a angústia? Terá reunido a família e dito “agora resta esperar”? As respostas não são muito importantes.
Depois de dar a primeira tacada na bola de golf, o jogador fica a olhar para o seu movimento esperando que esta caia tão perto quanto possível do green, mas sem nada mais poder fazer. Esta sensação é comum ao estudante, depois da entrega do exame escolar até à receção da nota… O período, que medeia entre o esforço e a observação do resultado, pode ser positivo quando a expectativa é elevada e, principalmente, quando o resultado confirma as melhores expectativas. Estou em crer que foi desta forma que se sentiram Vasco Cordeiro, Carlos César e Ana Luís.
Caso não se confirmem os bons prognósticos, os portugueses aplicam a expressão “balde de água fria”. Custa muito, mas passa depressa. Nestas eleições, penso que deverá ter sido isto que aconteceu ao líder doCDS-PP.
O pior mesmo é quando as expectativas são baixas. Nesse caso, este período, entre o colocar a armadilha e ir ver a caça, pode ser acompanhado de uma angústia terrível. Talvez tenha sido assim que sentiu a líder do PSD. Se eu estivesse no lugar dela, penso que ficaria com uma úlcera apenas por olhar para o relógio e ver o tempo passar entre zero horas de Sábado e as 19 horas de domingo.
Sabendo que este período de desconhecimento e impotência custa tanto, o melhor mesmo é fazer um bom trabalho prévio. Apenas desta forma é possível garantir que, mesmo que se apanhe uma desilusão, a dor passará mais depressa. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O meu manifesto


Foto de Campanha do Partido Socialista na Ilha do Faial.
Foto: F. Cardigos.

Sou de esquerda desde que me lembro. A memória mais antiga que consigo datar é a do dia primeiro de maio de 1974. A manifestação de Lisboa, a esperança misturada com o caos e as cores garridas dos cravos fixaram-se indelevelmente na minha mente. Com o tempo, fui sentindo que, para mim, mais importante do que privilegiar o sucesso individual, eram os valores como a solidariedade e a fraternidade. Em suma, para mim, a direita não é uma opção, embora respeite os meus muitos amigos que preferem esses caminhos.
Outra das paixões que me motiva é o mar. Adoro a água salgada, a geologia que a suporta e, principalmente, vida que contém. Mais do que outros mares, gosto do mar dos Açores. Gosto do esverdeado com que a água fica no meio da Primavera, e tenho dúvidas que possa haver muitas coisas melhores do que o azul transparente das águas açorianas durante o Verão. Tal como raras pessoas, um dos meus passatempos é ver fotografias de animais marinhos, tentando adivinhar os seus nomes e dissertar sobre as suas características. Ultimamente, tenho-me ocupado também na tentativa de encontrar novas formas de utilização sustentável do nosso oceano.
Portanto, um partido que queira o meu voto tem de unir valores de esquerda às preocupações com o domínio marinho. Parece-me claro que apenas um dos concorrentes às presentes eleições regionais une de forma perfeita as duas condicionantes. O candidato Vasco Cordeiro tem defendido ferreamente o nosso mar. Agrada-me!
Para além disto, como muitos saberão, trabalho no Governo Regional e sinto-me ligado a alguns dos resultados obtidos nos últimos anos. Claro que não sou responsável por nada de especial, mas vou ajudando…
Sendo coerente com a estrutura ideológica e estratégica, estando satisfeito com os resultados anteriores e sendo solidário com os objetivos futuros, envolvi-me naturalmente na presente campanha eleitoral. Nas diferentes ações fui descobrindo um Faial que não é tão sorridente como poderíamos esperar olhando ao de leve. A convite dos seus locatários, entrei em algumas casas que transparecem necessidades evidentes. A vida não é fácil para todos e isso apenas reforça a importância das opções de esquerda.
Ao mesmo tempo, fui descobrindo o lado humano desta lista candidata pelo Partido Socialista. Tenho a partilhar que foi uma muito agradável surpresa. Não vi qualquer individualismo, tirando o inerente aos momentos mais galvanizados ou o necessário para dar ênfase aos elementos que têm maior probabilidade de ser eleitos e, portanto, com maior responsabilidade.
Para além dos diretamente interessados, os candidatos, o Partido Socialista tem a sorte de ter uma equipa paralela de gente abnegada e interessada. Estes entusiastas, cada um de sua forma, aparecem e trabalham! Gostei muito do que vi.
A escolha responsável exige ler os manifestos das diversas forças políticas concorrentes. Tenho a certeza que, quem o fizer, encontrará uma clara diferença entre os diferentes partidos, o que facilitará a escolha de dia 14.
Ao contrário de outras eleições, em que muitas vezes tive uma sensação de opção pelo mal menor, este ano estou harmonicamente convencido que o Partido Socialista não tem apenas o melhor candidato a Presidente; O Partido Socialista tem também a melhor lista de ilha e os melhores manifestos. Dada a diferenciação pela positiva, até para que nas próximas eleições os partidos concorrentes tenham maior cuidado e empenho, temos agora a oportunidade de dar uma grande vitória à esquerda moderada dos Açores.
Claro que este é o meu manifesto, mas independentemente de em quem votar, vote! A democracia exige participação e essa começa em si!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O prazer de ajudar a fazer


Vista interior do Aquário de Porto Pim.
Por FredericoCardigos

Nos últimos dias tenho sido confrontado com a minha própria consciência sobre o desempenho do Governo a que pertenço. Teremos feito tudo bem? Fizemos o que estava ao nosso alcance? Poderíamos ter feito mais?
Hoje, fruto do ganhar de consciência moral coletiva, já não se cataloga o desempenho das lideranças pela obra, mas sim pela consequência. Ou seja, no caso do Governo, a maioria das pessoas não faz a avaliação pela quantidade de betão gasta, mas sim pelo aumento dos níveis da qualidade de vida e a sua sustentabilidade. Apesar disso, a estruturação dos Açores, parada durante décadas de ditadura e, depois, lenta por duas décadas de inadaptação aos novos paradigmas europeus, teve 14 anos de elevadíssima energia. Grande parte da rede de escolas e da rede de estradas foi renovada, a maioria dos hospitais e centros de saúde tem novos edifícios ou, pelo menos, novas valências e os portos, marinas e aeroportos estão hoje num patamar sem comparação com o passado recente. Penso que é incontestável reconhecer a diferença.
Nos últimos dois anos, como resultado de uma crise profunda, de uma necessidade de concentrar esforços financeiros na manutenção e funcionamento destas estruturas e porque, felizmente, as grandes necessidades estavam já colmatadas, houve, de facto, uma redução no investimento estrutural. Esta redução, que se alargou também ao setor privado, torna-se particularmente evidente quando vemos a crise que paira na construção civil e os baixos níveis de importação de cimento. O investimento, a existir, foi propositadamente concentrado em pequenas obras que fizessem diferença, mas que não implicassem dispêndios financeiros que não estivessem ao nosso alcance.
Outras unidades geográficas, incluindo alguns municípios dos Açores, nunca se conformaram com as suas capacidades financeiras e o desastre foi arrasador. Ainda hoje autarquias como Vila Franca, Calheta de São Jorge e Povoação vivem quotidianamente com a amargura do investimento zero. O fantasma dos despedimentos paira sobre esses locais, o que tem implicações claras na qualidade de vida dos cidadãos que trabalham na dependência dessas instituições. Não irá acontecer, até porque os esforços estão agora concentrados no pilar social, mas a mera possibilidade de perder o emprego é angustiante o suficiente para uma redução da qualidade de vida individual. Também por essa razão, e estando nós em véspera de eleições, é absolutamente necessário concentrar os esforços nos projetos de Governo que tenham preocupações sociais acrescidas.
Apesar desta mudança de paradigma, continuamos a investir. No departamento do Governo onde trabalho, conseguimos reorientar o investimento para soluções que fossem pouco dispendiosas, altamente consequentes e valorizadoras do património existente. Apenas analisando a ilha do Faial, com esta aproximação, recuperamos o Miradouro da Lira, a Casa das Lavadeiras no Capelo, a Casa dos Cantoneiros, auxiliámos a recuperação do porto da Ribeirinha e, com a recuperação de parte da levada e diversos trilhos, criámos o Trilho dos Dez Vulcões. Outras obras estão na sua fase final; como seja a recuperação da Casa dos Dabney na Praia de Porto Pim (incluindo a adega, o celeiro e as cisternas de água) e a antiga fábrica da baleia, que agora terá o nome de Aquário de Porto Pim. Em paralelo, melhoramos as condições no Jardim Botânico, adquirimos e recuperamos os Charcos de Pedro Miguel e criámos diversas valências para a observação de aves. Nenhuma destas obras foi especialmente dispendiosa, mas todas promovem a recuperação do património e facilitam a criação de emprego. Digamos que é uma aproximação cirúrgica ao investimento. Consequência: entre outros, o Parque Natural do Faial foi o vencedor do Prémio Eden Portugal 2011.
Penso que o caminho da sustentabilidade financeira, social e ambiental deverá continuar a ser trilhado. Para quem concordar, sugiro que veja com cuidado os programas eleitorais das diferentes candidaturas às eleições de dia 14 e opte pela que for mais coerente. Não nos iludamos com obras megalómanas que não irão existir. Foquemo-nos no que faz diferença para o nosso dia-a-dia e para os nossos filhos.
Se fizemos um bom trabalho, que era a pergunta inicial, cabe-lhe a si decidir. Qualquer que fosse a minha resposta, por mais entusiasta ou justificada que fosse, seria sempre a minha resposta e, neste caso, é a sua opinião que conta. Para mim, foi um prazer ajudar a fazer!

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Caulerpa


Caulerpa webbiana semi-recoberta por areia.

Uma das maiores dores de cabeça que me acompanha desde o dia em que comecei a trabalhar na Secretaria Regional do Ambiente e do Mar tem o nome de Caulerpa webbiana. Esta alga verde, perecida com esparguete e com um nome quase arredondado, passe o toque de poesia, chegou ao Faial em 2002.
Os mergulhadores do DOP da Universidade dos Açores têm como hábito recolher amostras de tudo o que não conseguem identificar. Neste caso, o colega em causa pegou no pedacinho de alga e colocou num tubo de ensaio que foi fechado para posterior identificação por um especialista. Tudo certo. No entanto, como a alga era estranha demais e havia outros assuntos prioritários a que acorrer (dá-se-lhes o nome de “incêndios” no jargão universitário), a amostra foi ficando…
Em 2005, num mergulho noturno, uma outra equipa encontrou uma mancha verde garrida, com cerca de um metro de diâmetro, na chamada Baía de Entre Montes. Alertados, passados poucos dias, vários operadores de mergulho da ilha do Faial reportavam outras colónias um pouco por toda a Baía da Horta.
A alga era bonita e o seu verde era realmente contrastante com tudo o que estava reportado para os Açores. Foi nesse momento que se iniciou um período de pesquisa intensa. Que alga era aquela? Como cá chegou? Que ameaça representava? Como se eliminava?
As perguntas foram obtendo respostas a partir de 2006. Mas estas respostas estavam longe de ser agradáveis. Provavelmente, a alga, visto que apareceu apenas no Porto da Horta, terá vindo fixa num casco de um barco ou na sua água de lastro. A alga pertence a um dos cem mais agressivos géneros de organismos existentes no mundo. Outras algas do mesmo género são responsáveis por autênticos desastres ambientais e económicos no Mediterrâneo. Nos Estados Unidos, há unidades de combate à Caulerpa que monitorizam e combatem qualquer novo foco ao primeiro alerta. Uma vez instalada, a Caulerpa propaga-se rapidamente, ocupando novo território e inibindo a presença das espécies locais.
A nossa Caulerpa webbiana existe também na Madeira e nas Caraíbas. No entanto, nesses locais, as manchas pouco passam dos centímetros de diâmetro. Nos Açores, as manchas chegam a ter vários metros! A alga produz uma toxina que, nos Açores, repele os organismos, peixes e invertebrados, que se pudessem dela alimentar. Aparentemente, os organismos do nosso arquipélago ainda não se conseguiram adaptar à presença desta alga, provavelmente devido à sua entrada recente. Ou seja, em termos terrestres, poderíamos comparar a um enorme prado de plantas venenosas. É nisto que se transformou grande parte da Baía da Horta nos últimos anos.
Alguma coisa teria de ser feita. Em 2008 foram estabelecidos os contratos necessários para começar a combater efetivamente a alga. Começou a luta. Equipas lideradas por diversos investigadores do DOP e constituídas por incansáveis mergulhadores profissionais, diariamente lançam-se à água, isolam com cobertores especiais uma determinada área ocupada pela Caulerpa e introduzem no seu interior produtos tóxicos. Não é um trabalho bonito, mas é uma ação cirúrgica. Apenas a alga é prejudicada.
Depois de três anos de combate, constatou-se que estávamos a conseguir conter o ímpeto da expansão inicial, mas, mesmo assim, havia sempre colónias em novos locais. A sensação era de sucesso relativo no final de cada época, mas, no início da seguinte, as novas colónias estavam um pouco mais longe. Para além disso, o núcleo central da distribuição da Caulerpa estava, de ano para ano, mais forte e mais vigoroso. Eram já dezenas de metros seguidos contínuos de alga verde.
No início deste Verão, constatando novo progresso por parte da alga, percebemos que algo mais agressivo teria de ser feito. Depois de diversas reuniões de trabalho e vários mergulhos na área de distribuição da invasora, ficou decidido que, para além das ações cirúrgicas na zona das novas colónias, teríamos de atacar o “coração” da distribuição.
Com base nas primeiras experiências feitas no ano passado e que demonstraram ser muito eficientes, aproveitamos as dragagens do porto da Horta para fazer os primeiros recobrimentos da alga com inertes (essencialmente areia).
Esta semana, tive a possibilidade de ir verificar os resultados. Estes primeiros resultados são promissores. A alga está eficientemente recoberta e basta apenas uma pequena camada de areia para que ela comece logo a regredir passados poucos dias. A Caulerpa webbiana sem luz morre de imediato. É o seu calcanhar de Aquiles.
Evidentemente, esta é uma técnica que apenas pode ser utilizada nos locais em que a densidade da alga é muito elevada. Caso contrário, estaremos também a destruir outros organismos, o que seria demasiado negativo para o ecossistema. No entanto, nos locais em que a cobertura de Caulerpa está acima dos 70%, esta parece ser a técnica a utilizar.
Quem sabe, finalmente, estaremos a ganhar uma parte da batalha. Honestamente, temos que ser claros, a Caulerpa webbiana está nos Açores, muito provavelmente, para ficar. Apesar disso, e como foi introduzida pela mão do homem, temos de a combater, dando assim tempo para que as espécies locais se adaptem e integrem a alga invasora como parte dos habitats marinhos antes delas próprias serem destruídas. Como no outro dia li num livro sábio, “esta não é uma guerra, porque as guerras têm fim”.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Os meros do Corvo

Mero do Caneiro dos Meros, Ilha do Corvo, Açores.
Foto: Nuno Sá.

Há uns dias atrás houve uma nova investida a favor da caça dos meros nos Açores. Como tive oportunidade de escrever num jornal diário da ilha de São Miguel, eu sou contra a caça destes magníficos animais. Enquanto decisor, por vezes, temos de ser complacentes com coisas que nos desagradam, mas, neste caso em particular, tudo aponta para a coerência e inteligência da manutenção desta proibição.

Passados poucos dias, trouxeram-me à Ilha do Corvo as festividades de Nossa Senhora dos Milagres. Aproveitei o facto de estar na ilha para fazer a monitorização de alguns locais de mergulho. Nas zonas mais costeiras, em vésperas de Gordon, pude ver as espécies previsíveis e muitos sargos-vulgares (Diplodus vulgaris), aqueles que apenas há pouco tempo apareceram nos Açores e que agora competem com o habitual sargo desta zona geográfica (Diplodus sargus cadenati). Como estes peixes apareceram em todas as ilhas dos Açores, praticamente em simultâneo, não é considerada uma introdução, mas sim uma alteração da distribuição natural. Eventualmente, terá sido provocada pela intensificação das alterações climáticas globais. Tudo isto para dizer que é normal e não merece mais do que uma anotação lacónica: “também aqui estão”.

Outro dos locais que tinha de ser monitorizado era o famosíssimo “Caneiro dos Meros”. Apesar de não haver uma empresa dedicada ao turismo de mergulho com escafandro autónomo na ilha do Corvo, o que me parece triste, praticamente todos os dias ali vi embarcações de mergulho originárias da ilha das Flores. Este simples sinal fez-me crer que o Caneiro continuaria a manter as suas características, mas tinha de verificar.

O “Caneiro dos Meros”, como o nome indica, é um vale que, neste caso, se prolonga desde profundidades menos elevadas, cerca de 12 metros, até aos 40. A descida entre os 20 e os 40 metros é praticamente imediata e é aqui que se encontram os meros. Pela simples leitura da profundidade, quando caí dentro de água pude verificar que me tinham colocado longe do local adequado. Tive que nadar um bom bocado para poder chegar ao local de “encontro”. Quando lá cheguei já tinha pouco tempo de mergulho e, pensei, já não iria ver nada. Os meros exigem que os mergulhadores lá cheguem e aguardem e, quando suas majestades desejam, aparecem. Apesar disso, ainda vi três meros, sendo que um deles tinha um porte já considerável. No entanto, não era o “Caneiro dos Meros” que esperava. Cheio de peixe, sim, com muitos corais negros, sim, mas não tinha os meros gigantescos que lá deveriam estar.

Fiquei preocupado. Estaria em risco a mais antiga reserva voluntária do país, já com 14 anos? Estaria em perigo um dos mais emblemáticos locais de mergulho de Portugal? Teriam desaparecido os meros vivos mais idosos de que tenho conhecimento?

Discretamente, partilhei estas preocupações com os meus amigos mergulhadores e eles comigo. De facto, já não os viam há algum tempo. Poucos dias depois, um amigo telefonou-me: “Frederico, oito meros incluindo o Pintas!” Vivos e fotografados. Respirei de alívio. É evidente que o Pintas não irá viver para sempre, como qualquer organismo vivo. No entanto, é sempre bom saber que este companheiro, que já conhecemos há 14 anos ainda por ali está e apenas porque os corvinos assim o querem. É um excelente exemplo a que apenas carece um investidor que, com base no Corvo, explore também este manancial. Empreendedores, procuram-se!

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Inspirados pelo Mar dos Açores


Cagarros em frenesim alimentar. 
As pardelas-de-bico amarelo, conhecidas nas regiões autónomas por cagarros ou cagarras, são hoje aves marinhas estimadas pelas populações e úteis auxiliares na pesca do atum.
Foto: Carlos Toste Mendes - Centro de Mergulho do Hotel Ocidental 

No final do ano de 2003, em representação dos Açores, participei numa reunião da Convenção OSPAR em Tavira. Nela, partilhando pontos de vista sobre a necessidade de criar verdadeiras áreas marinhas protegidas, retorquiu-me um técnico do Instituto para a Conservação da Natureza: “as colónias portuguesas de pardelas representam os vértices de um polígono que tem de ser português”. Discretamente, esbocei numa folha de papel um polígono que tinha como extremos as Berlengas, as Selvagens e a Ilha do Corvo e concluí intimamente: “um triângulo gigante e perfeito, o triângulo de Portugal”. Talvez, neste momento, tenha ficado particularmente claro na minha mente que Portugal tem um enorme espaço que é seu sobre o qual deve ter direitos, mas tem, acima de tudo, responsabilidades. Enquanto locatários deste planeta, os humanos têm a responsabilidade de o manter, de o preservar e, quando necessário, de o recuperar. No entanto, para podermos exercer essa obrigação e usufruir dos direitos, o percurso seria então, e ainda é, longo.
Este percurso teve início, na realidade, com a preparação da Expo 98. Depois, passou pelo Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos de 2004, incluiu a Estratégia Nacional para o Mar de 2007 e culminou, até ao momento, na submissão em 2009 à Organização das Nações Unidas da proposta de Portugal para a delimitação da sua Plataforma Continental. Estes marcos são públicos e notórios, altamente dignificantes para o nosso país e para os envolvidos; mas este artigo focalizar-se-á mais no percurso que os Açores têm seguido, contribuindo assim para o regresso de Portugal ao mar, que começa ainda antes do tal triângulo esboçado em Tavira com 1.8 milhões de quilómetros quadrados.  
Um dos factos cruciais e que muito auxiliou o bom andamento deste processo açoriano foi a aliança que se estabeleceu entre o Governo das ilhas e a Universidade dos Açores. Houve, em todos os momentos, uma sincronia de visão e uma enorme solidariedade nos objetivos a atingir, com particular ênfase para o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, liderado então pelo Doutor Ricardo Serrão Santos, mas incluindo todos os recantos da academia insular. Isso permitiu ter sempre uma ferramenta de auxílio à decisão e uma representação abrangente e livre das grilhetas do formalismo da governação. Foi assim que em todas as reuniões internacionais relevantes, muitas delas pautadas pela ausência do Governo Português, estiveram representantes dos Açores.
Se nem sempre foi assim, hoje, felizmente, tende-se para um entendimento mais claro entre os representantes do arquipélago e nacionais, complementando-se uns aos outros, permitindo uma presença internacional constante e inteligente do nosso país. Não havendo recursos financeiros para estarmos todos em todas as reuniões, assim, com o cruzamento de informações, com uma boa coordenação e com objetivos bem definidos, temos uma maior capacidade de ação.
Voltando ao nosso percurso. A Universidade envolveu-se em projetos científicos internacionais como o BIOMARE, que resultou depois no MARBEF, uma rede de excelência, o OASIS e EXOCET/D, entre tantos outros, com os quais lançou âncoras de conhecimento em áreas tão diferentes e complementares como as áreas marinhas protegidas, os montes submarinos e as fontes hidrotermais. Ao mesmo tempo, aí numa parceria mais próxima com o Governo Regional e, no caso através do Departamento de Biologia, foram-se estabelecendo os modelos jurídicos necessários para poder gerir o nosso mar de uma forma coerente e consequente.
Ao nível do Governo Regional, criou-se um departamento autónomo responsável pelo Mar, unido ao do Ambiente, e deram-se contributos decisivos para o lançamento e fortalecimento da Política Marítima Europeia. Penso que a Região remota mais visitada pelo então Comissário europeu das Pescas terá sido os Açores.
Foi então que se estabeleceram as regras de uso de locais da Zona Económica Exclusiva (ZEE) especialmente importantes para a ciência, resultado de trabalhos científicos, diversas reuniões de utilizadores e muito diálogo. As regras foram publicadas em relatório e são, ainda hoje, cumpridas escrupulosamente por todos os envolvidos, desde a comunidade científica até à comunidade de pescadores. No final do processo, a organização não-governamental para o ambiente, WWF, premiou os envolvidos com o galardão Gift to the Earth.
Foram várias as conclusões que fomos tirando ao longo deste percurso. Primeiro, ficou claro que apenas com um investimento sério na componente ambiental poderíamos proteger os nossos mares. A abertura da área externa da ZEE dos Açores às frotas internacionais, com a complacência do Governo Português, foi um erro terrível, mas também uma enorme aprendizagem. Depois, compreendemos que a ONU e a Convenção OSPAR estariam recetivas a uma classificação de áreas fora do Mar Territorial e mesmo para lá da ZEE. Em terceiro lugar, compreendemos que não haveria forma de atribuir a qualquer das ilhas a gestão do alto-mar dos Açores e, portanto, a gestão teria de ser feita por um órgão à parte.
Como resposta à insensata abertura da área externa da ZEE dos Açores, encetámos uma luta legal para que se voltassem a colocar limitações à exploração dos nossos mares. Apesar de ainda estarmos longe de uma vitória em toda a linha, conseguimos banir as redes de emalhar e de arrasto de profundidade. Somos dos poucos territórios do mundo que está livre dessas artes delapidadoras dos recursos e dos fundos marinhos. Como reconhecimento, a mediática organização internacional Greenpeace veio em 2005 aos Açores durante a sua campanha “Defending our Oceans” com o navio “Esperanza” para enfatizar a boa política ambiental marinha do arquipélago.
Apesar do esquema geral da ação que a seguir se descreve ter sido gizado em 2004, apenas em 2007 foi tornado público o primeiro passo que demonstrava a intenção e indicava os contornos da mesma. Não foi fácil convencer os deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores da importância de ter um Parque Marinho sem fronteira externa. Em tom quase jocoso, acusavam o Governo de querer gerir “as praias da Florida”. Tinham alguma razão, mas o alcance da opção ficou claro logo a seguir. No início de Outubro do ano de 2007, na cidade da Horta, era apresentada a intenção do Governo de Portugal, sob proposta dos Açores, de classificar como Área Marinha Protegida, ao abrigo da Convenção OSPAR, a fonte hidrotermal de grande profundidade Rainbow. Num entendimento perfeito entre os parceiros açorianos e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, os argumentos jurídicos e técnicos apresentados prevaleceram e a aposta foi ganha. A 227 milhas a Sul-sudoeste da Ilha das Flores, portanto para lá do limite da ZEE, o Rainbow tornava-se o primeiro novo território português de além-mar desde Quionga; conquistada em 1916 e reconhecida como portuguesa em 1919. Ganharam os Açores, mas, essencialmente, ganhou Portugal até porque a mesma argumentação foi depois utilizada noutros contextos.
Se Quionga foi ganha como resultado de uma guerra, o Rainbow foi ganho com conhecimento científico e entendimento entre parceiros internacionais num processo em que não houve vencidos, apenas um mundo melhor e mais responsabilizado pelo seu uso e pela sua proteção.
Integrando os conhecimentos científicos adquiridos dentro do arquipélago, incluindo projetos com génese externa, como seja o IBAS Marinhas, coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, com os compromissos internacionais assumidos por Portugal no âmbito das Diretivas Aves e Habitats, ficaram rapidamente desenhados os locais que iriam integrar o Parque Marinho dos Açores dentro da Subárea da ZEE de Portugal correspondente aos Açores. No entanto, para além do Rainbow, faltavam definir as restantes zonas do alto-mar. Nesse momento, alicerçados pelo bom conhecimento científico e pela excelente integração nos grupos internacionais, lançamos mais um repto a Portugal: “vamos classificar o Altair, o Anti-altair, a Crista Médio Atlântica a Norte dos Açores e a Josephine!” Mais uma vez, houve um entendimento perfeito, embora tardio, entre os Açores, a Secretaria de Estado do Ambiente, a Agência Portuguesa para o Ambiente e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental. Com articulações perfeitas, o resultado apenas podia ser um, e foi. No seio da Convenção OSPAR, numa reunião que decorreu na Noruega em Setembro de 2010 ficavam definidos mais três sítios do alto-mar em volta dos Açores e 4 para o todo Português. Um destes sítios em particular, a chamada Crista Médio-Atlântica a Norte dos Açores (também conhecida pelo seu acrónimo em inglês MARNA), tem uma área maior que todo o território emerso de Portugal!
Reconhecidas as áreas importantes, do ponto de vista ambiental, no alto mar dos Açores, faltava agora estruturar o Parque Marinho do ponto de vista legal. Tendo por base o Estatuto Político-Administrativo da Região, estabelecemos um regime legal que dota o Parque Marinho dos Açores de um órgão de gestão responsável pela implementação das regras que o próprio diploma estabelece. Dada a inerente obrigação da gestão partilhada do mar, trocamos impressões prévias com os responsáveis continentais e, mais uma vez, houve unanimidade nas diferentes opções específicas. Mais tarde, o Parque Marinho dos Açores foi aprovado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores com a unanimidade e o aplauso dos partidos aí sentados. Com onze sítios ambientalmente importantes definidos, o Parque traça a linha daquilo que os Açores apelidam como a sua zona de influência e, ao mesmo tempo, estabelece, desde logo, quais são as zonas de extração limitada por razões ambientais.
Evidentemente, do ponto de vista histórico e cultural, o mar é importante para os Açores. Muito acima disso, no entanto, o oceano que rodeia as ilhas é determinante para o futuro dos açorianos. As nove ilhas dos Açores têm pouco mais de dois mil quilómetros quadrados de terra, mas o mar que nos rodeia tem mais de 2 milhões. Encontramo-nos limitados por terra, mas incitados pelo mar. Portanto, quando se fala em extração de minerais, pesquisa biotecnológica do mar profundo ou aproveitamento energético no Mar dos Açores estamos a falar numa área que os açorianos já reconheceram, já tomaram e que querem usar para que se concretize o regresso de Portugal ao Mar. Ou, posto de outra forma, para que se cumpra Portugal!

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sobre os Jogos Olímpicos


Esta Veronica dabneyi, planta endémica dos Açores,
é mais rara do que um vencedor de uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos!

Decorreram até ao último final de semana os Jogos Olímpicos de Verão na cidade de Londres, capital do Reino Unido. Neste evento, concorrem mais de uma dezena de milhar de atletas pelas poucas centenas de medalhas disponíveis.
Não deveria ser este o propósito essencial das olimpíadas, mas sim contribuir para obtenção de níveis de excelência humana (mais rápido, mais alto e mais forte) num convívio saudável e leal entre as nações. O Barão Pierre de Coubertin, o grande responsável pelo ressurgir das Olimpíadas no final do século XIX, entendia que a educação apenas estava completa com a componente física individual e elevou esse conceito até ao que é hoje considerado o mais prestigiado acontecimento cívico global.
No entanto, de facto, o empenho de muitos centra-se apenas na contabilização das medalhas. É uma forma simples de aferir até que ponto uma nação tem empenho na excelência dos seus atletas e é universalmente compreensível. Nestes jogos olímpicos, o destaque foi para Estados Unidos da América e para a China, tal como em Pequim 2008, embora por ordem inversa. 
Alguns amigos declaram-me a sua desilusão pela única medalha dos portugueses. No entanto, vendo bem, havendo “apenas” cerca de mil medalhas em disputa, é natural que não ganhemos muitas.
Vejamos, em cerca de 200 países, no mundo há sete mil milhões de pessoas. Cada uma destas pessoas pode ter a ambição de conquistar uma destas medalhas e, portanto, fazendo uma divisão simples, temos uma medalha por cada 7 milhões de habitantes do planeta Terra. Tendo em consideração esta aproximação simplista, Portugal, com 10 milhões de habitantes, tem “direito” a uma medalha. Já a China, com 1,3 mil milhões de pessoas, deveria obter 186 medalhas. Como, na realidade, nos jogos, ganhou “apenas” 87, isso significa que está abaixo do que seria expectável. Por outro lado, os Estados Unidos da América, com 300 milhões de pessoas, deveriam obter 43 medalhas. Na realidade, em Londres ganharam 104 medalhas, o que os colocam claramente acima das espectativas e que, de alguma forma, espelha a importância que a competição, a todos os níveis, representa para este país e, também, a competência que detém na formação de atletas.
Se os Açores fossem um país participante, usando também uma aproximação estatística simplista, deveríamos ter uma medalha em cada 30 Olimpíadas, ou seja, uma medalha a cada 120 anos, já que os Jogos Olímpicos apenas se realizam de quatro em quatro anos. Isto é, mais vale determo-nos nas coisas realmente importantes dos Jogos Olímpicos e nos valores que lhe estão subjacentes e deixarmos a medalha para Portugal e as medalhas para a Europa, com quem também nos podemos identificar.
Aliás, a União Europeia, com 500 milhões de habitantes, nesta aproximação simplista, tem “direito” a 71 medalhas. Agora repare-se… em Londres, a União Europeia, pelas minhas contas, ganhou 300 medalhas! Ou seja, uma proporção entre o obtido e expectável muito maior que os Estados Unidos da América, 4,3 contra 2,4. Ou seja, somos os maiores ! Na realidade, não é bem assim porque há um limite de atletas por país, o que beneficia a União Europeia com mais de duas dezenas de países a contribuir, ficando assim com um número superior e desproporcionado de atletas. De qualquer forma, a Europa é realmente competitiva e possui boas escolas desportivas, ao nível dos melhores.
A massa crítica, neste caso estabelecida em número de seres humanos em cada território, condiciona indelevelmente o número de medalhas que se pode obter. Colocando de uma forma mais construtiva e consequente, em qualquer momento das nossas vidas: “a união faz a força!”.
Há, no entanto, países que têm totais assimetrias nesta espectável proporção. Não me compete, nem seria hábil para o explicar, mas… de facto, a Austrália tem uma proporção entre medalhas obtidas e expectáveis de 11. Melhor ainda, a Jamaica do grande Usain Bolt tem uma proporção de 32! Números a reter e indicativos de que tudo é possível.
Apanágio máximo de que tudo é possível é a incrível marca de 22 medalhas para um único ser humano. As contas são mais difíceis de fazer, até porque as medalhas foram obtidas em três eventos, mas, sem adiantar a matemática por trás (até porque é duvidosa), diria que a probabilidade de uma coisa destas acontecer é de 0,0000022%. Portanto, estatisticamente, não aconteceu e o Michael Phelps não existe… mas existe! Posto de outra forma, tudo é possível; Basta ter vontade, ser competente e ser trabalhador  (e ter alguma sorte…). Para os jovens, a mensagem é descubram o que gostam de fazer e para o que têm jeito e empenhem-se, mesmo que a probabilidade seja baixa, é realmente possível conquistar os nossos sonhos!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Porquê proteger os meros nos Açores?


Mero fotografado na Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros,
na Ilha do Corvo, Açores.
Foto: F Cardigos ImagDOP

Obviamente, todos temos direito à opinião, acrescendo que o nosso respeito por essa mesma opinião é maior quando é emitida por pessoas conhecedoras e inteligentes. Mesmo que não concordasse, como “manda” uma das maiores organizações não-governamentais do mundo, deveria esforçar-me para que essa opinião fosse disseminada livremente.
O que se passa no caso dos meros, curiosamente, é que há pessoas igualmente informadas, inteligentes e empenhadas que defendem posições antagónicas. Ou seja, há pessoas que consideram que estes animais podem ser caçados, que isso não afetará as suas populações e será uma mais-valia para a economia. Por outro lado, há um outro conjunto de pessoas que considera que caçar meros é um ato lesa-turismo subaquático e que terá influência nas populações existentes. Curiosamente, ambos os lados têm trabalhos científicos a sustentar as suas opiniões.
E que penso eu sobre o assunto? Eu assisti às chacinas de meros nas Flores dos finais dos anos 70. Animais majestosos eram arrastados por cima do Porto das Poças, alguns ainda vivos, e esquartejados para gaudio dos caçadores submarinos franceses que usavam as ilhas como um local de treino para os campeonatos europeus. Eu vi e não gostei. Alguns daqueles animais eram muito mais velhos do que eu e, alguns deles, eram mais velhos do que eu sou hoje. Não são animais para serem mortos apenas para treino para uma competição distante. Era um enorme desrespeito e ainda bem que terminou. Sou apologista que se usem os recursos naturais de forma letal para o que é necessário, não para atividades recreativas.
Hoje, depois de os conhecer debaixo de água, penso ainda que os meros são criaturas fantásticas, pachorrentas, grandes, que não hesitam em chegar-se aos mergulhadores e roçar-se neles. Os meros dão excelentes fotografias subaquáticas. Ora, tendo obtido tanto prazer com os meros vivos, porque iria eu contribuir para os matar. Ou seja, “és tão engraçado, deixa-me cá dar-te um tiro e matar-te”… Não faria sentido. Por essa razão, para além de não os caçar, também não como mero. A mesma opção têm uns quantos fanáticos do mundo azul. Dado ser uma opção pessoal, não tem de influenciar, nem influencia, a minha postura enquanto decisor.
Portanto, neste caso em concreto, o que pensa o decisor? O decisor pensa desta forma: um mero vivo, com que se possa mergulhar, vale o mesmo todos os dias de mergulho do que se for morto e vendido em lota uma única vez. Ou seja, se os meros estiverem vivos valem muitíssimo mais do que se estiverem mortos. O decisor pensa também que o mergulho com escafandro autónomo é uma atividade com interesse crescente no arquipélago pelo que não faria qualquer sentido estimular a morte do mais importante símbolo da escafandria, o mero.
Ao mesmo tempo, o decisor pensa também que a pesca profissional à linha, ao contrário da caça, não é seletiva, pelo que não faz sentido impor uma restrição que não se pode cumprir. Portanto, tem de se conviver com a possibilidade dos meros serem capturados por esta via. Também por não ser uma arte seletiva, a pesca profissional à linha, com os métodos legalmente utilizados nos Açores, nunca poderá colocar estas populações em risco, o que não aconteceria com a caça. Com a caça, seria possível capturar todos os animais de grande porte, o que, dada a sua sexualidade (todos nascem fêmeas e depois transformam-se em machos), poderia colocar em risco as populações.
Finalmente, depois de dezenas de anos de restrição à caça ao mero nos Açores, já quase ninguém pensa que seria adequado regredir nesta proibição. Ao contrário, os caçadores dos tempos modernos (tirando o Rei de Espanha…) estão mais interessados em obter boas imagens de animais vivos e livres do que fomentar cadáveres apenas pelo prazer de matar.
Muito mais do que a opinião deste decisor, condicionam as opções do Governo as decisões da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. Ao contrário do que é por vezes afirmado, a decisão de proteger os meros no nosso arquipélago em 1984 foi tomada no órgão mais importante da autonomia insular. Não resulta, portanto, da sensibilidade de “um amigo que fazia parte do governo regional”, como irresponsavelmente se afirma por vezes. Em 2007, através do diploma da pesca lúdica dos Açores, os meros voltaram a ser protegidos pelo Parlamento Regional em relação à caça-submarina. Seria difícil ter uma decisão mais clara.
Com todo o respeito por quem pensa de forma diversa, esta é também a opção de um dos decisores do nosso arquipélago. Haja argumentos válidos e em sentido contrário e o decisor, obviamente, saber-se-á adaptar. O Frederico, esse adora os meros que vai encontrando e fotografando debaixo de água, pelo que nunca mudará de ideias

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Revisitando o Dollabarat



Simpaticamente, a Autoridade Marítima, através do Comandante João Gonçalves, convidou-me para integrar a missão anual de manutenção do farol dos ilhéus das Formigas. Depois de conversado, chegou-se à rápida conclusão que nessa missão se poderia também efetuar a monitorização superficial dos ambientes subaquáticos. Melhor dito, melhor feito!
Foi desta forma que me vi novamente emerso pelas águas do Recife Dollabarat. Este recife está localizado a três milhas a sudeste das Formigas e constitui uma enorme ameaça à navegação. Até que o navegador basco Pierre Dollabarat o assinalou, não se sabe quantas embarcações terão tido o infortúnio de um encontro letal. Os três metros de profundidade do recife apontam para nomes como os dos irmãos Miguel e Gaspar Corte-Real, navegadores portugueses quinhentistas misteriosamente desaparecidos…
Hoje, o Recife Dollabarat está bem assinalado no mapa e apenas manifesta inconsciência levará um navegador até estas paragens. Em contraste, no caso dos mergulhadores, apenas manifesta inconsciência os poderá afastar deste local fantástico! Desde os anos 80 que o Recife Dollabarat faz parte de uma enorme Reserva Natural que inclui também os ilhéus das Formigas. Depois de anos de incumprimento, esta Reserva Natural é hoje em dia razoavelmente respeitada. Contribuem para isso a intensificação da fiscalização, com natural relevância para o papel da Marinha, e as novas utilidades. De facto, diariamente, ou melhor, sempre que as condições meteorológicas o permitem, empresas marítimo-turísticas de Santa Maria e de São Miguel ocupam aquele espaço dando-lhe um interessante valor acrescentado.
Há uns anos atrás, não se tem ainda a certeza da razão, a cobertura algal do Dollabarat mudou. Passou de um tapete esplendoroso e esvoaçante de enormes Cystoseira para umas algas filamentosas verdes e desinteressantes. Há quem avance explicações relacionadas com o intensificar das alterações climáticas globais e há quem defenda que resulta de uma captura excessiva dos predadores de ouriços (como é o caso do peixe-cão). Seja qual for a razão, o ambiente do Dollabarat mudou. Curiosamente, isso parece não ter afetado a produtividade, mas alterou o esplendor. Até quando?
Foi neste contexto que submergi. Algumas questões assolavam a minha mente e era importante encontrar respostas. Primeiro, será que iria encontrar aparelhos de pesca que comprovassem a continuação da prevaricação? Será que as espécies que observaria seriam indicativas de um ambiente não explorado? Será que veria indícios da recuperação da anomalia algal? E, finalmente, mas também muito importante… será que iria ver jamantas e tubarões?
Tantas perguntas… Ainda pairando a meio da coluna de água, verifiquei que não havia qualquer alga Cystoseira digna desse nome. Quando cheguei ao fundo, debrucei-me sobre um dos vales, típicos da fisiografia do Dollabarat e lá estava uma chumbada utilizada na pesca artesanal de garoupas. Começava mal. Depois, olhei em redor e comecei a contar um, dois meros, uma abrótea, várias garoupas, diversas espécies de moreias e um peixe-cão macho e outro fêmea. Um dos companheiros de mergulho, pertencente à equipa de mergulhoforense da Marinha, apontou-me um cavaco! Estas eram boas notícias! As espécies mais exploradas nos Açores estavam de volta e em força ao Dollabarat. Excelente.
Até ao final do mergulho não vi outro aparelho de pesca. Ao contrário dos últimos mergulhos que tinha feito naquele local, já lá vão diversos anos, não vi restos de redes de pesca, cofres, canas de armadilhas, sedas… Nada. Apenas aquele resto de aparelho de pesca para as garoupas. Apesar de ainda não ter sido um mergulho com indícios de prevaricação zero, estamos agora mais perto.
Não vi tubarões ou jamantas. Em compensação, vi um cardume de pequenos atuns, duas raias enormes e, no final do mergulho, quando já estávamos a bordo, um grupo de curiosos golfinhos. Mais uma vez, foi um excelente mergulho e num dos mais fascinantes e selvagens locais do mundo. Um local a preservar com tenacidade!

Golfinhos entre o recife Dollabarat e os ilhéus das Formigas.
Foto: F Cardigos, usando uma máquina de JR Gonçalves.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O regresso da minha Europa


Para muitos, o ilhéu de Monchique, na ilha das Flores, Açores,
simboliza o extremo ocidental da Europa.

Pode ser um pouco lamechas, e provavelmente é, mas eu sou daquelas pessoas que sente um arrepio e um aperto na garganta quando houve o quarto andamento da nona sinfonia de Beethoven, que se maravilha com o engenho de Da Vinci e que reconhece o brilhantismo comunicativo de Dali, como se estivesse imbuído de um vasto continuum cultural. Eu sou Europeu!
Apesar disso, não sou um Europeu de qualquer Europa. Quando a Europa se porta mal, e tem uma enorme tendência para se portar mal, distancio-me e fico a olhar para a minha alma lusitana, refugiando-me numa qualquer paisagem bucólica de uma ilha das Flores envolta em nevoeiro. A minha Europa tem valores, compaixão, imaginação, engenho, solidariedade e coragem. A Europa a que eu pertenço estende-se do ilhéu de Monchique aos Urais, de Svalbard a Gibraltar e recusa os totalitarismos, os egoísmos, as intolerâncias e a cobardia. A minha Europa é ainda muito mais bonita do que a Europa da mitologia grega.
Depois da guerra da Jugoslávia, pensava, como outros pensaram no final da primeira grande guerra, da segunda grande guerra e da queda do muro de Berlim, que à Europa teria chegado a um período de paz duradoura. Talvez sim, mas talvez não…
A recusa de tratar a Grécia como a sua história impõe (a nossa história), o autismo em relação às dificuldades sentidas por Portugal e Irlanda e o isolamento que se preparava para sitiar a Espanha e a Itália eram prenúncios de um futuro feio, um regresso a um mau passado. Felizmente, a França salvou-nos. Estranho que seja um país que historicamente contribuiu ativamente para a confusão, seja agora o garante da restauração dos valores. Contrariando-me para provar um ponto de vista, apenas poderia ser a França, esse gigante dos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade que poderia apontar o rumo. O corolário é, portanto, que desta vez foi a França a salvar a minha Europa, tal como antes foram tantos outros; possivelmente, de acordo com cada momento, todos os outros.
De facto, a Europa é um mapa em que, em permanência, jogam as forças do bem e do mal, incluindo todos os níveis de cinzentos. Mas, porquê? Porque não é possível estar tranquilamente no nosso território sem que haja quezílias as quais, demasiadas vezes, terminam em enormes banhos de sangue? Como garantir a paz na Europa?
Gostava de ter uma resposta fácil. Não tenho.
Apenas sei que a missão é contribuir. Temos que contribuir para que, em permanência, as forças do bem prevaleçam. Há referências europeias que me norteiam, mas cada um terá as suas. Por muito que nos aborreçam as histórias de cordel e os devaneios irresponsáveis de algumas coroas europeias, ainda hoje Suas Altezas Reais a Rainha Elizabete II e o Rei Juan Carlos são efetivos lutadores pela liberdade. Estadistas como Mikhail Gorbatchev, empresários como Nobel, cientistas como Marie Curie e Albert Einstein, poetas como Fernando Pessoa, músicos como Antonio Vivaldi ou Frédéric Chopin juntam-nos numa Europa de Bem. É para eles que olho, presto uma vénia e contemplo, inspiro-me e tento, mui modestamente, seguir o exemplo. É desta Europa que eu gosto. É nos dias em que esta Europa prevalece que me sinto verdadeiramente Europeu.
De um ponto de vista mais prático, há que sair do mercantilismo cego que rege o mundo e partir para uma época mais social, em que todos tenham espaço. Obviamente, a Grécia está minada por um regime repetitivo que administra os seus destinos há demasiados anos. Mas a Grécia, como muitos outros países, sofreram golpes profundos pelas guerras do centro, viveram sob regimes totalitários fratricidas e essas não foram escolhas gregas. Portanto, como qualquer ente querido que está doente, a nossa missão é cuidar, auxiliar, orientar e, no fim, passada a mazela, festejar. Essa é a missão da Europa e a nossa missão, uma vez cumprida, será inspiradora para o mundo.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Pristino


Floresta natural dos Açores, um dos poucos ambientes pristinos do planeta Terra.
Foto: PH Silva SIARAM

Por sugestão de um bom amigo, estive a ver um conjunto de documentários televisivos sobre ambientes pristinos com a autoria da BBC. Paradoxalmente, os locais alegadamente pristinos, como ficou provado pela investigação conduzida, são tudo menos pristinos. Ou seja, Amazónia, Serengueti e Yellowstone são lugares razoavelmente alterados pela mão do homem moderno.  Para além das alterações globais, que afetam qualquer local à face da Terra, para além das alterações provocadas nas fronteiras destes locais, que modificam padrões de migração de animais e circulação de elementos, há um conjunto de alterações feitas pelo homem na tentativa de preservar os locais que involuntariamente se tornaram muito pouco inertes. Também os próprios seres humanos, indígenas dos locais, alteraram e geriram estes locais durante centenas de anos. Seria difícil explicar todos os detalhes neste artigo, mas, depois de ver aqueles documentos, ficamos com uma estranha sensação de permanente mácula. Não há qualquer local no nosso planeta que testemunhe um tempo sem seres humanos… Ou talvez não. Na Antártida há amplos espaços sem qualquer sintoma visível de seres humanos. E, no mar, há amplos ecossistemas e habitats livres da sombra humana. Como não podemos facilmente ir até à Antártida, resta-nos o mar. E se há coisa que os Açores têm é mar!
Claro que há zonas pescadas e amplamente exploradas, pelo que não será aqui que poderemos encontrar os ambientes pristinos. Também nas zonas costeiras, por causa das espécies invasoras transportadas pelos homens, os ambientes virgens estão ausentes. No entanto, estes organismos ainda não conseguiram chegar para lá dos mil metros e a estas profundidades não há pesca. Aqui sim, principalmente em habitats bem vincados, encontramos ambientes pristinos. Na minha opinião, os mais impressionantes são as fontes hidrotermais de grande profundidade. Aqui há espécies de peixes, moluscos e crustáceos que se aproximam dos limites da imaginação e estão totalmente distantes de qualquer sombra humana.
Portanto, quando quisermos dar um exemplo de um habitat verdadeiramente pristino, muito melhor do que os grandes paraísos naturais em terra, que não passam a este nível de embustes, no Mar dos Açores podemos encontra-los. Não há alterações climáticas globais, limitações à migração, populações indígenas ou tentativas de gestão intrusivas. Aqui e em poucos mais sítios no Planeta Terra, podemos orgulhar-nos de ter ambientes intocados pelo homem. Mesmo os despejos e os restos que a gravidade e as correntes arrastam são tão raros que não se fazem notar.
É também por esta razão que mesmo a investigação científica que se faz nas fontes hidrotermais de grande profundidade tem de ser previamente pensada e muito bem justificada. Até agora, os cientistas têm tido o cuidado de não ser demasiado intrusivos. Teremos de manter este pensamento no futuro. Estudar, sim, usar, com moderação, e conservar para as gerações futuras.
Mesmo em terra, nos Açores ainda há, pelo menos, um local intocado. Tanto quanto sei, não há memória da floresta laurissilva da zona central da ilha Terceira ter sido usada. Apesar da pressão feita pelas populações, da utilização agrícola dos seus extremos e da entrada progressiva de espécies invasoras, como o incenso, estas manchas ainda são testemunhas de um tempo sem homens. Praticamente, não há paralelo na Europa e na América.
Graças a um povoamento recente e à inacessibilidade de alguns dos nossos espaços, temos nos Açores locais que causam a cobiça e a curiosidade de outros. Até pelo valor que podem ter para a visitação não intrusiva, devemos manter estes locais, tanto quanto possível como estão. É um legado para os que nos sucederem. 
Não podemos dramatizar demais. Segundo os próprios documentários, não há ambientes pristinos na Terra por uma razão simples: os seres humanos fazem parte do ecossistema. Com este pensamento, admiremos as nossas singularidades açorianas e orgulhemo-nos de ser assim. Poucos o são!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Em Dia Mundial dos Oceanos


Visita do Vaivém do Oceanário aos Açores.
Foto: Rita Gago da Câmara SIARAM

Tive a oportunidade de visitar o Vaivém do Oceanário deLisboa quando este esteve na Ilha de Santa Maria. Como não podia deixar de ser, para não ocupar tempo inútil aos técnicos do Oceanário, a minha visita foi integrada numa visita normal. Assim, tive a sorte de acompanhar os residentes no Retiro de Santa Maria Madalena de Vila do Porto. Fiquei muito impressionado pela energia com que aqueles cidadãos seniores participaram na visita e, pelo que me pareceu, se empenham na vida.
Ao meu lado sentou-se uma senhora que não estava nada contente com o facto da técnica do Oceanário insistir que os animais mais pequenos não deviam ser consumidos. Dizia ela, “mas são tão saborosos…” A contragosto, lá entrou no exercício que era proposto e identificou, de acordo com as medidas mínimas de captura, que animais deveriam ou não servir de repasto. Depois da explicação técnica, penso que ficou mais convencida e, quem sabe, mesmo com o entusiasmo suficiente para vir a utilizar a régua de medição que foi oferecida a cada um de nós.
A visita do Vaivém do Oceanário à Ilha de Santa Maria foi uma das mais de cem atividades que integraram o “Açores Entre Mares de 2012”. Este programa pretende dar uma visibilidade muito especial às atividades marinhas que se realizam entre o Dia Europeu do Mar (20 de Maio) e o DiaMundial dos Oceanos (8 de Junho), que se celebra hoje.
No caso particular daquele evento, o Vaivém do Oceanário veio até aos Açores porque os Jovens Naturalistas de Santa Maria, uma associação fundada pelo Sr. Dalberto Pombo, conseguiu cativar os responsáveis pelo Oceanário e os restantes parceiros necessários. Integraram a atividade no espírito do período Entre-Mares e foi um sucesso nas ilhas de Santa Maria e SãoMiguel.
Em cada ilha, de acordo com a necessidade ou com a apetência de cada uma, as atividades foram-se sucedendo num crescendo de empenho e de entusiasmo. No final, que hoje se regista, pensamos que o duplo objetivo foi cumprido: sensibilização e mobilização.  Sensibilização para o valor e delicadeza que o mar tem e mobilização para que zelemos ativamente pela sua salubridade e para que o utilizemos sustentavelmente.
Em Dia Mundial dos Oceanos, o meu desejo é que o espírito que tomou conta dos Açores enquanto Entre-Mares se celebrou se prolongue pelo resto do ano. Desta forma discreta, empenhada e consequente, em que as pessoas vão pensando no gigante azul que ali está ao lado como um ser sensível, fascinante, útil e gerador de atividades que podem dar lucro e, ao mesmo tempo, preencher-nos enquanto homens e aventureiros.
No nosso mar há muitos mais poemas por escrever do que aqueles que já sobre ele foram escritos e há muito mais regatas para partir do que aquelas que já terminaram. Esta abordagem serve para todas as temáticas marinhas e marítimas, desde a ciência à economia.
Que a postura participativa e dinâmica do Entre-Mares se estenda dos milhares de pessoas que participaram a todos os cidadãos açorianos. Haja imaginação e empenho e o Mar dos Açores ainda terá muitas surpresas para nos mostrar…
Governo, Autarquias, Associações Não-Governamentais, Autoridade Marítima, Escolas de todos os graus e tipos de ensino, assumiram numas atividades o papel de organizadores, noutras de colaboradores, noutras de apoiantes e noutras ainda de participantes. Foi, mais uma vez, um período enriquecedor e que nos deixa já cheios de saudades do ano que vem.