sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entrevista dada ao Jornal Terra Nostra

Cagarro fotografado no ninho.
Foto: Paulo Henrique Silva - SIARAM

Arrancou no dia 1 de outubro mais uma edição da campanha SOS Cagarro. Este ano celebram-se 20 anos que institucionalmente se salvam cagarros nos Açores. Que balanço se pode fazer até este momento?
O balanço destes vinte anos é extraordinário. Esta campanha é realmente dos açorianos e continua a mover os açorianos. Para além das questões ambientais, os açorianos incluem já no seu património cultural esta interessantíssima ave.
Estas aves passam 7 anos no mar antes de virem pela primeira vez a terra. São autênticos animais de mar que nos visitam para acasalar e nidificar. Como são fieis ao local de nascimento e ao parceiro, é muito importante oferecer-lhes as melhores condições para que tenham sucesso. Estas e muitas outras curiosidades são também essenciais para que a população humana compreenda o enorme valor que tem esta parte do seu património ambiental.

A campanha SOS Cagarro arranca anualmente no período em que as jovens aves saem dos ninhos em direcção ao mar, até hoje, quantos foram já recuperados?
No início, o registo de aves salvas era muito incipiente pelo que não há números fidedignos. No entanto, fazendo uma estimativa conservadora, diria que devem ter sido salvos nestes últimos vinte anos cerca de 33 mil jovens aves.

Quantos cagarros foram salvos em 2010?
Foram salvos 3718 cagarros em 2010, sendo que, destes, 935 foram salvos na ilha de São Miguel. No entanto, tenho que frisar que estes são números mínimos. Ou seja, há muitas pessoas que salvam cagarros e não dão disso nota às entidades organizadoras. Apesar de ser importante o registo, para percebermos tendências e identificar locais particularmente sensíveis, o essencial é salvar estes míticos animais.

Com que tipo de meios?
Os meios são os que estão ao alcance de cada um e resultante do empenho que colocam na actividade. É uma actividade voluntária e abnegada. Há quem prefira acompanhar as brigadas organizadas pelos Serviços de Ambiente ou Organizações Não-Governamentais e há quem prefira usar o seu próprio automóvel para percorrer as estradas mais sensíveis. No total, registamos 1244 pessoas envolvidas.
Relembro que, em traços largos, o método inclui colocar uma toalha sobre o animal, por forma a imobiliza-lo suavemente, coloca-lo dentro de uma caixa arejada e libertá-lo junto ao mar na manhã seguinte. É um acto simples, mas crucial. Em caso de dúvida, pode-se consultar a página internet da Campanha em http://soscagarro.azores.gov.pt/, escrever aos dinamizadores da campanha através do endereço de correio electrónico cagarro@azores.gov.pt ou ligar para a linha SOS Cagarro usando o número de telefone 912233518 (linha SOS Cagarro).

Quantas entidades participaram?
No total aderiram oficialmente 140 entidades. Integram a Campanha os serviços do Governo Regional, Autarquias, Escolas, Universidade, Associações Não-Governamentais para o Ambiente, Órgãos de Comunicação Social, Associações de Bombeiros, Escuteiros, Pescadores, Associações de Jovens e Patrimoniais, Forças da Ordem Pública (Brigada SEPNA da GNR, PSP e Polícia Marítima), Marinha (por causa dos faróis), Força Aérea Portuguesa, Portos dos Açores, Aeroportos, Gestores de Monumentos e Estádios (por causa da iluminação), vários Párocos e diversas Empresas Privadas.

E em termos de envolvimento dos cidadãos, pode-se afirmar que estão mais sensíveis para a protecção desta ave?
Certamente. Passados vinte anos o panorama é totalmente diferente. Porque, por vezes, temos alguma dificuldade em relembrar as situações passadas, vale a pena recordar que os cagarros eram desprezados pelos automobilistas e, ainda há pouco tempo, eram utilizados para alimentação. Hoje isso é, felizmente, impensável.

Nota-se um aumento dos números de salvamentos ou um decréscimo?
Há um aumento na eficiência dos salvamentos. No entanto, isso não significa que haja um aumento do número de aves salvas. O número de salvamentos resulta do número de pessoas envolvidas, mas, também, do sucesso de nidificação, da sobrevivência dos jovens cagarros no ninho, das condições meteorológicas à saída dos ninhos (essencialmente vento e nebulosidade), da presença de fontes luminosas que confundam os jovens cagarros e mesmo a fase da lua no momento da saída. Por exemplo, no ano de 2008 houve um número elevadíssimo de salvamentos, mas porque no período da saída do ninho houve uma tempestade conjugada com luminosidade demasiado elevada nos portos. Felizmente, desde então, durante a Campanha, os portos diminuíram em 70% a iluminação pública.

Em termos de estimativas, quantos casais se supõe que nidifiquem nos Açores? Das que nascem, quantas chegam à fase adulta?
Segundos os dados de monitorização ambiental, os Açores albergam cerca de 188 mil casais. Isso significa que circulam no arquipélago entre 500 a 700 mil indivíduos. Depois de começarem a voar, o índice de sobrevivência é muito alto, atingindo cerca de 95% de ano para ano. No entanto, apenas para entendermos como é uma ave frágil, relembro que na Ilha do Corvo há dados que apontam para uma mortalidade de 60% no ninho. São números assustadores e resultam, em grande parte, por acção de animais domésticos, como os gatos.

Na ilha do Faial são necropsiados alguns dos cagarros encontrados mortos. A análise destes permite perceber o estado das nossas águas. Em que estado se encontram?
A análise efectuada aos animais mortos na Campanha SOS Cagarro incide mais na determinação da causa de morte. Como são animais que ainda não chegaram à água, a causa de mortalidade dificilmente estará relacionada com eventuais poluentes marinhos.
No entanto, outros estudos apontam para uma qualidade da água em volta dos Açores como excepcional. Apenas os poluentes que se encontram dispersos nas águas de todos os oceanos são registados no nosso arquipélago. Esses, infelizmente, resultam da dispersão dos poluentes oriundos das zonas do globo severamente poluídas e sobre eles pouco podemos fazer.

Quais as expectativas para a campanha deste ano?
O essencial é, em primeiro lugar, que ninguém se magoe. Andar na estrada a apanhar cagarros oferece perigo se os envolvidos não tomarem cuidado com o trânsito automóvel e também com os bicos dos cagarros. De resto, a ideia é aumentar o número de pessoas envolvidas, aumentar a sensibilidade ambiental, aumentar o interesse sobre a ave e diminuir as fontes de poluição luminosa.
Vinte anos depois, é excelente verificar que nunca ocorreu qualquer acidente, tirando umas bicadas sem consequências, e que as populações de cagarros estão robustas nos Açores. Os sons nocturnos dos cagarros, graças a esta Campanha, ir-nos-ão acompanhar durante muitos mais anos!

Observando Tubarões nos Açores

Tintureira fotografada na área marinha protegida do Banco "Condor".

Quis o destino que fosse à Graciosa para participar na “IIIBienal de Turismo Subaquático”. Nos dias em que lá estive, como seria expectável, tive a oportunidade de rever muitos amigos, discutir novas e velhas ideias e aprender.
Todas as apresentações tiveram o seu valor e, algumas delas, foram profusamente ilustradas com as melhores imagens que podem ser produzidas no mundo subaquático. Curiosamente, as melhores das melhores, eram portuguesas e com sotaque açoriano. De facto, os Açores, com destinos como o Corvo, particularmente a Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros, o Complexo dasFormigas e Dollabarat e o Banco Condor, com os seus tubarões-azuis, dominaram as emoções e encheram os olhos de quem gosta do profundo azul.
Um dos temas que me levou à Ilha Branca foi apresentar e dinamizar a discussão sobre o Código de Conduta Voluntário para Observar Tubarões. Este Código foi solicitado por quatro empresas de turismo subaquático do Faial e do Pico e, desde então, também em conjunto com a Universidade dos Açores, a as DirecçõesRegionais do Turismo e dos Assuntos do Mar todos se têm empenhado no afinar deste documento.
No final do Inverno passado, já tínhamos o Código praticamente pronto. No entanto, com o iniciar dos trabalhos da época alta, as empresas envolvidas começaram a notar que algumas das regras propostas não eram as melhores para a actividade. Digamos que foi um saber que também resultou da experiência feita. Ficou então estabelecido que o Código seria melhorado durante toda a época e, depois então, aprovado.
Aproveitando esse balanço, propusemos, e foi por todos aceite, apresentar o Código na “Azores Ocean Tour”, que decorreu na Ilha do Pico, e na Bienal, a tal da Graciosa. Aliás, reforçando e em jeito de aparte, não estranho a atitude aberta e disponível destas quatro empresas, a CW Azores, a Dive Azores, a Norberto Diver e a PicoSport, até porque todo o processo tem sido de uma enorme franqueza e partilha. Imagine-se que as empresas até enviaram imagens próprias de comportamentos que consideraram negativos, sugerindo que fossem partilhados para que os erros não se repitam!
Como não será de admirar, nos dois eventos foram dadas inúmeras sugestões que recolhemos e que agora serão alvo de um maturado processo de decisão. Muitas e boas ideias que merecerão atenção e reflexão cuidadas.
Um dos temas que mais paixões levantou foi a alimentação de tubarões. Para uma larga maioria, é impensável alimentar tubarões para os manter perto dos mergulhadores porque, essencialmente, eles poderão passar a associar a presença de humanos à comida. Imagine-se o que essa confusão poderia gerar no momento em que houvesse humanos e não houvesse a comida… Digamos que isso já aconteceu noutros locais e o resultado não foi nada agradável… para os humanos!
Os mais puristas defendem que nem para atrair tubarões se deve utilizar engodo. Mas, um outro grupo, ainda mais minoritário, considera que nem sequer se deve entrar dentro de água, porque isso já pode condicionar os magníficos esqualos do azul. Tenho a certeza que as melhores soluções emergirão nos próximos dias, mas ficamos com uma panóplia de pontos de vista, de hipóteses e de “certezas absolutas”. Na realidade, olhando em retrospectiva, é nestes momentos de partilha apaixonada de gente que ama muito a sua actividade predilecta, que me sinto bem em ser humano.
Quanto aos tubarões, muito pior do que jamais eles serão para nós, somos nós próprios que os colocamos em perigo, principalmente pela utilização de cegas artes de pesca e pelo medo que os filmes norte-americanos nos incutiram. Felizmente, no Faial, no Pico e no Recife Dollabarat há uma nova geração de empreendedores que lucra e estima estes magníficos animais na versão vivos e ao vivo. Quanto a mim, fazem muitíssimo bem! 

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Prevaricador beneficiado

O prevaricador beneficiado apanha e come impunemente
lapas dentro da época de defeso.

Sempre me fizeram impressão aquelas histórias dos ladrões que fogem com o dinheiro e não são apanhados ou os intrujões que mentem impunemente. A ideia que alguém possa tirar benefício de uma maldade corroí-me as entranhas. Principalmente enquanto gestor público, eu sinto que devo ser honesto, trabalhador, correcto e de respeitar o próximo, o que contrasta com uma parte do que vamos vendo à nossa volta.
Um dia, um antigo presidente de Câmara disse-me que governar com dinheiro era fácil. “Difícil” dizia ele “é inventar o dinheiro necessário para fazer obra”. Na minha franca ingenuidade pensei nos projectos cofinanciados, nas parcerias público-privadas (antes de serem amaldiçoadas) e na recolha de apoios de terceiros. Longe de mim estava eu de pensar que, na realidade, o enigma residia numa outra solução muito mais vil. “Inventar dinheiro” era mesmo inventar dinheiro e esconder as dívidas ou acumular os passivos em empresas acessórias à governação. Comecei a perceber isso quando analisei a realidade dos clubes de futebol que nasciam à luz dos apoios camarários e outros igualmente difusos e duvidosos. No entanto, estava longe de imaginar a escala da aldrabice até há poucos dias atrás.
A dívida da Madeira não me escandaliza. É a que é, simplesmente. O que é inacreditável é que foi escondida de todos e o mais inacreditável é que o Governo que a provocou irá ser reeleito. Como é possível um prevaricador tão descarado ser beneficiado pelo próprio povo? Terá de ser a justiça, e espero que não hesite, a fazer o que o povo não fez quando podia e devia.
Custa-me ouvir a líder do maior partido da oposição nos Açores, por quem tenho estima e consideração, dizer que as obras das SCUTs nos Açores deveriam ter sido entregues a empresas regionais. Uma obra de centenas de milhões de euros era “entregue” a empresas regionais!? Não haverá senso suficiente para entender que isso seria uma clamorosa ilegalidade?! Desrespeita todo o regime de contratação pública de Portugal e é altamente injusto para quem, no final do dia, paga cerca de um terço das nossas contas. Para que isso fosse possível, seria necessário esconder as contas públicas. Faz-vos lembrar alguma coisa?
E que dirá o povo? O povo açoriano, penso eu, não gosta. Eu, parte do povo, não gosto nada. Tenho esperança que optemos por não ser enxovalhados como outros estão a ser por causa das suas opções de longo prazo.
Quero frisar que esta minha observação está longe de ser partidária. Esta é uma questão particular a quem prevarica. Da mesma forma como vejo a oposição dos Açores e o Governo da Madeira, vejo o Governo da Grécia, a Câmara Municipal de Felgueiras (em que a Presidente fugiu para o Brasil para não enfrentar a justiça e a seguir foi eleita) ou o mais recente caso da Câmara de Oeiras. Nos casos dos eleitos, são o resultado de populismos fáceis e recompensados pelo pouco reflectido voto popular!
Em qualquer destes últimos casos não houve qualquer dúvida da culpa de quem os praticou. Segundo o julgamento, a Presidente da Câmara de Felgueiras foi ilibada dos crimes de que era acusada, mas, para mim, será sempre culpada de ter virado as costas à justiça refugiando-se noutro país.
Eu, pessoalmente, já fui prejudicado pela clamorosa ineficiência da justiça portuguesa. Apesar disso, dificilmente viraria as costas à luta, principalmente se isso adviesse da minha actividade como gestor público, por muito que me custasse. Mas, se por acaso tal acontecesse, esconder-me-ia para todo o sempre tal a vergonha. Estas pessoas não o fizeram, apresentando-se como os escolhidos que estão acima da lei e o mais curioso é que o povo gostou.
O povo gosta, o povo permite, o povo estimula e o povo é beneficiado. Quanto a mim, o povo que procede desta forma também deveria ser corrigido. Não me parece normal que quem elege estes dirigentes, que nos prejudicam colectivamente, seja beneficiado com as obras públicas que resultaram da aldrabice. Sendo mais concreto, neste momento, por exemplo, penso que se deveriam colocar portagens, para além das SCUTS do continente, também nos túneis da Madeira. Posto de outra forma, então quero o meu túnel entre a Horta e a Praia do Almoxarife, já!
Vivemos num regime parecido ao da Cidade Estado de Esparta, na antiga Grécia, em que os cidadãos eram punidos por terem sido apanhados e não por terem cometido o crime. Hoje, a grande mudança é que, mesmo sendo apanhado, continua a não haver punição. Tem que mudar, tem que mudar depressa e tem que mudar já!