sábado, 25 de dezembro de 2010

Abram alas para o Natal

Foto: F Cardigos.

Lembro-me de uma antiga crónica de Vasco Pulido Valente, no jornal Público, em que dividia o mundo da educação das crianças entre o que é verdade e o resto. Defendia este brilhante cronista que, por exemplo, as histórias que relatavam amizades impossíveis entre animais deveriam ser banidas. Por exemplo, acrescento eu, amizades entre gatos e ratos ou tigres da Malásia e ursos, os primeiros por impossibilidade ecológica e os segundos também por impossibilidade geográfica, são deseducativos e causam embaraços na própria “consciência de si” das crianças. Ou seja, se os animaizinhos são tão “queridos”, “até falam”, “porque é que eu tenho de os comer?”, principalmente implicando isso a sua morte?! Isto para já não falar na farsa do século: o Pai Natal…
Devemos motivar a imaginação das crianças com mentiras e impossibilidades ou fortalecer a sua identidade com a dura verdade. Não tenho resposta, apenas opinião. A minha opinião é… tem dias e tem limites. Estranha resposta?! Talvez não. A minha experiência enquanto pai é de que as crianças sabem bem distinguir entre o que é pragmático e os amigos imaginários ou do mundo da imaginação dos adultos. O gato lá de casa e o gato das botas são entidades diferentes cuja única semelhança é miarem da mesma forma, excepto quando o das botas faz as suas longas serenatas… O pato, amigo do Pocoyo, e o pato que aparece no arroz também são entidades diferentes, sendo que o do arroz é muito mais saboroso, mas sem tanta piada.
Então, e qual é o limite? O limite, na minha mui modesta opinião, é quando os animais imaginários passam a ter características reais. Os filmes em que se colocam animais a ridiculamente mexer os lábios, imitando palavras reais, não são educativos e misturam os limites traçados pelas crianças. Atenção, não é que não goste de algumas excelentes abordagens cinematográficas, apenas penso que elas devem ser apresentadas às crianças depois de terem a capacidade de distinguir e achar piada à coisa. Senão, ficam apenas confusas...
Aquilo que está claramente para lá do limite do tolerável é utilizar o mundo do imaginário para estimular o consumismo e o egoísmo das crianças. Isso é devastador. Ou seja, Pai Natal, não obrigado! Para os meus filhos, o Pai Natal será sempre uma farsa desde que nasceram. “O Pai Natal não existe” é um dos conceitos que têm enraizado desde que se lembram de ouvir palavras. Assim, nunca foram alvo daquelas chantagens ridículas, na minha opinião, “se não te portas bem, o Pai Natal não te traz uma prenda”.
Tudo o que expus atrás é discutível. Admito. Cada pai e cada mãe, melhor do que ninguém, saberá qual a abordagem educativa que serve ao seu filho. O que não é discutível, no entanto, é o mau serviço que algumas empresas fazem aos nossos filhos. No outro dia, estava calmamente a almoçar num daqueles cafés que têm a televisão ligada. Desta forma, ao mesmo tempo que se almoça, vão-se ouvindo e vendo as notícias, trocando impressões sobre o dia-a-dia, ficando mais informados, podendo colaborar mais eficientemente para fortalecer a cidadania que se espera de todos nós. Até aqui, tudo bem. Reforço que o que ali estávamos a ver era o que, potencialmente, todas as crianças deste país poderiam estar a ver. A certo passo, nas notícias da TVI começam a mostrar uma senhora a ser chicoteada. Eu nem queria acreditar… Como é possível…? Dizia a notícia que ela tinha cometido o crime de “usar calças”. Ainda meio perplexo, pedi ao empregado que mudasse o canal porque me recusava a estar no mesmo espaço em que este tipo de imagens fosse difundido. Penso que o senhor não percebeu à primeira porque estava com outros afazeres e por isso tive que ser mais claro. “Recuso-me a estar perante imagens de um canal televisivo que difunde actos de barbárie como uma mulher a ser chicoteada”. Aproveitar a forma absolutamente imoral como alguns Estados tratam as mulheres para aumentar audiências e, adicionalmente, expor as nossas crianças a estas disfunções é demais para mim e intolerável para a educação que queremos para os nossos descendentes. Meio segundo depois, o senhor estava convictamente a mudar de canal.
Neste Natal, tenhamos atenção às crianças. Penso que mais do que prendas, elas agradecerão a construção de uma educação baseada na verdade e com valores bem estruturados e consequentes. É o que tentarei fazer.

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