sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Painho de Monteiro

Há pessoas que recordaremos para sempre com saudade e estima. O sorriso, a bondade e o génio científico do Luís Monteiro ir-me-á acompanhar enquanto a memória não me falhar. Todos deveríamos ter como um dos objectivos de vida ser recordados com o mesmo apreço com que o Doutor Luís Monteiro é. Eu tenho esse desejo.
Ele não me contou, possivelmente não terá contado a ninguém, mas, partindo dos poucos dados relatados em artigos científicos, eu imagino esta história como a irei relatar. Estava o Luís a efectuar trabalho de campo no Ilhéu da Praia, na Ilha Graciosa, Reserva da Biosfera dos Açores, quando reparou que o assobio de uma ave não correspondia com o que deveria esperar daquela espécie. O Luís era um ornitólogo de elevada craveira e, pelo cantar, tinha a capacidade de identificar as aves, o seu género e, quem sabe, até o humor daquele animal em particular. Neste caso, a menos que a ave estivesse constipada, a imagem do painho não batia certo com o piar. O que estaria a acontecer…? Daí para a frente, imagino ainda, o Luís deve ter passado a registar os cantos e as ocorrências dos painhos para tentar desvendar o mistério.
O que se tem a certeza é que, a certo passo e tendo como base o canto destas aves, o Luís postulou que havia duas populações de painhos das tempestades no Ilhéu da Graciosa: a população de painhos de Verão e a de Inverno. Mais ainda, ele especulou que, apesar de não existirem diferenças morfológicas evidentes, provavelmente, estaríamos na presença de duas espécies. Uma delas seria o Oceanodroma castro, que habita os Açores, a Madeira e as Galápagos, e, a segunda, a da população quente, uma nova espécie para a ciência. Mas como prová-lo? O canto não seria suficiente e os indivíduos das duas populações são mesmo muito parecidas… Só havia uma solução: a análise genética. Havia que analisar o DNA e verificar se eram basicamente iguais ou se as diferenças eram suficientes para justificar uma nova espécie. De imediato começaram as recolhas, mas, para ter uma amostra robusta, foi necessário algum tempo. Tempo demais para o Luís.
Apesar de não ter sobrevivido para constatar que as suas observações e indícios estavam completamente correctos, por uma questão de justiça, o painho que nidifica apenas no Ilhéu da Praia, na Ilha Graciosa, chama-se hoje Painho-de-Monteiro ou, para os cientistas, Oceandroma monteiroi.
Em pleno Ano Internacional da Biodiversidade, apraz-me registar que a publicação científica que estabelece a nova espécie não foi alvo de qualquer contestação e, portanto, contrariando Charles Darwin, os Açores têm uma biodiversidade extremamente interessante e que inclui, agora, cerca de 450 espécies endémicas. Mas, complementarmente, sendo uma espécie que, no mundo inteiro, “de Bissau a Palau”, apenas nidifica no pequeno ilhéu graciosense, esta ave está, obviamente, em perigo crítico. Ganhamos uma espécie, mas colocou-se-nos a enorme responsabilidade de a gerir correctamente.

Sem comentários:

Enviar um comentário