segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Um ano de música erudita na Ilha do Faial

Não há dúvida que este ano houve muito mais arte na Ilha do Faial que nos anos anteriores. Na minha opinião, há diversas razões para esse facto, começando pela própria preparação do ano. O trabalho feito ao nível da edilidade, no final do mandato anterior, com a exemplar organização da vereadora Sandra Costa, permitiu alicerçar alguns dos resultados observados este ano. O próprio dinamismo criado conduziu a propostas políticas eleitorais com grande ênfase na componente cultural.

Agora, já neste ano, a existência de uma enérgica vereadora a tempo inteiro para a cultura, assuntos sociais e desporto, a existência de uma biblioteca pública superiormente dirigida, um museu da Horta que continua a desempenhar o seu papel de firme mostruário da nossa cultura, uma empresa municipal que mantém o teatro faialense, o Cineclube da Horta que cimentou a sua actividade, a existência de um Conselho da Cultura e dezenas de pequenas instituições de artes e espectáculos, dá-nos razões para estarmos confiantes. No entanto, no outro prato da balança, a instabilidade directiva dos Amigos do Conservatório e o desorganizado e limitado apoio financeiro da Câmara Municipal da Horta são aspectos que nos fazem ter algum receio. Entre os prós e os contras, o saldo é francamente positivo, mas queremos mais e melhor!

Este ano, houve momentos que encheram as medidas em termos culturais. O espectáculo do Mário Laginha no Teatro Faialense, o Stabat Mater de Pergolesi, o Concerto de Vivaldi pela Horta Camerata foram alguns dos marcos da história deste ano musical. Há pequenos espectáculos, com particular destaque para a segunda actuação do concerto para piano a quatro mãos por Olga Horobetz e Marcello Guarini, que nos satisfazem completamente. Que espectáculo tivemos no Salão Nobre da Câmara Municipal! Para mim, no entanto, o ponto mais alto dos espectáculos musicais da ilha do Faial deste ano foi a apresentação do Requiem de Mozart. Baseou-se em músicos de São Miguel, contou com diversas participações faialenses e a direcção artística foi do “austríaco mais açoriano que existe”, o faialense Kurt Spanier. Aliás, curiosamente, quando o Coral de São José esteve no Faial, para cantar o Requiem de Mozart, tive oportunidade de falar com alguns dos elementos. Fiquei agradavelmente surpreendido quando me disseram que a actuação na nossa ilha seria “a prova de fogo” porque, diziam-me, “o nível cultural da Ilha do Faial é muito elevado, muito maior que em São Miguel e nos outros sítios”. Noutra ocasião, na Ilha Terceira, alguém do Grupo Foclórico dos Antigos Bailhos, do Posto Santo, dizia-me sobre os grupos do Faial: “Aquilo lá é sério. Eles bailam bem!”. É reconfortante, mas não chega.

Na minha óptica, para o futuro, deveríamos apostar ainda mais na formação. As bandas filarmónicas, os grupos de teatro, os ranchos foclóricos, e outras instituições têm, abnegadamente, feito um trabalho fundamental na preservação dos valores culturais, na dinamização do aparecimento dos novos talentos e a proporcionar-nos excelentes espectáculos. Isso é apenas possível graças ao apoio do Governo Regional e da Câmara Municipal. Ou seja, não há um único desses agrupamentos que sobreviva apenas com a quotização e outros apoios privados. É triste que não haja um empenho do nosso sector comercial e industrial para apoiar efectivamente as instituições culturais. A cultura faialense está muito dependente do poder político e isso não me parece saudável.

Por outro lado, não podemos deixar que os frágeis alicerces da cultura erudita da Ilha do Faial sofram qualquer perturbação. Isto é, precisamos de estar atentos para certificar que as anunciadas mudanças ao nível do Conservatório Regional da Horta são potenciadoras do nosso nível cultural e não apenas movimentações relacionadas com a economia de escala. Evidentemente que é importante o Estado ter uma postura adequada em relação aos seus serviços, até porque são pagos por todos nós, mas o saldo, em termos culturais, deverá também ser sempre positivo.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

DIRECTOR REGIONAL DO AMBIENTE GARANTE

Evoluir sem estragar a qualidade de vida

Para o director regional do Ambiente, Frederico Cardigos, só quando as pessoas começarem a retribuir os gastos ambientais provocados pelo consumo é que se dará a viragem na sociedade rumo a um Ambiente mais saudável e duradouro.

Cristina Silveira

Se quisermos que o planeta Terra possa perdurar para aqueles que nos sucederem, há que inverter uma série de atitudes, caso contrário o meio em que vivemos poderá tornar-se inabitável. Em entrevista ao Tribuna das Ilhas, o director regional do Ambiente, Frederico Cardigos, em funções há três meses, explica, na sua primeira entrevista, como se dará a viragem e que atitudes temos de inverter. Educação ambiental, agricultura biológica, gestão de lixos, áreas protegidas, erradicação de invasoras, Vigilantes da Natureza e projectos em curso para o Faial, são temas abordados por este governante que trouxe os conhecimentos de biólogo e a vontade de aprender mais para poder dar o seu contributo positivo ao desenvolvimento ambiental dos Açores.

Tribuna das Ilhas - O planeta Terra está colocado sob diferentes tipos de pressão que nos podem levar a pensar que as perspectivas são extraordinariamente negativas e mesmo sem retorno…

Frederico Cardigos – Não é bem assim. Mas de facto há uma responsabilidade enorme tanto por parte dos governos, porque são eles que devem orientar as macro-políticas, como ao nível dos cidadãos, em inverter a situação. Na atitude de cada um pode estar a diferença entre uma coisa e outra.

T.I. – Como se vai dar a viragem?

F.C. - O momento de viragem está relacionado com a integração no mercado dos valores ambientais que neste momento estão dispersos. Ou seja, quando estamos a utilizar um combustível, estamos a pagar pelo preço que custou prospectá-lo, extraí-lo, tratá-lo, transportá-lo, vendê-lo ao consumidor, mas o resto do valor, que são os gastos ambientais relacionados com tudo isso e principalmente com o próprio queimar do combustível, não é pago. Quando o mercado começar a integrar também esse valor, claro que as pessoas vão pagar muito mais e podem não estar a priori dispostas a isso. Mas no meu entender, esse é o ponto de viragem: quando as pessoas passam a pagar aquilo que realmente estão a consumir, não só em termos do produto em si mas daquilo que é a destruição do património colectivo.

T.I. – Quando isso acontecer, tudo será diferente?…

F.C. - Se as pessoas pagarem esse valor, é evidente que depois passam a ter outro tipo de atitudes e inverter-se-á o processo. Em vez das pessoas pagarem combustíveis fósseis, se calhar, vão pensar que era muito melhor terem painéis solares em casa ou aerogeradores, porque passa a ser compensador investir nas energias alternativas, que, em consequência vão ser muito mais baratas. Por enquanto, ninguém pensa nisso, porque não se paga o verdadeiro preço dos combustíveis fósseis.

T.I. – E quem sofre com isso é o ambiente…

F.C. - Os combustíveis fósseis são a origem das alterações climáticas, mas também estamos perante um cenário em que, dentro em breve, a quantidade de petróleo disponível vai ser menor e se os preços já estão tão elevados agora, imagine-se quando ele for mesmo escasso. É claro que a situação de desequilíbrio a nível mundial será muito grande, a menos que a situação seja invertida rapidamente. E inverter isso, na mina opinião, acaba por ser de solução simples, mas de aplicação hiper-complexa.

T.I. – Isso é algo que tem de ser implementado a nível mundial?

F.C. - Isto tem a ver com a macro-política mundial. Nesta altura temos de nos centrar noutros problemas, alguns dos quais estão relacionados com a internalização de valores económicos em que, geralmente, as pessoas não pensam. Por exemplo, ao nível dos lixos, neste momento estamos a pagar pelo processamento do lixo um valor que não tem nada a ver com aquele que ele custa na realidade. Isso está relacionado com todo o processo inerente aos três R’s. Primeiro, há Redução, depois Reutilização, nos casos em que isso é possível e, por último, Reciclagem. Provavelmente neste momento os municípios não querem entrar num processo de reciclagem completa em relação aos lixos por não disporem de verbas para tal, mas quando o consumidor tiver que pagar esse valor – e mais tarde ou mais cedo vai ter de o fazer – provavelmente os municípios terão uma abordagem completamente diferente. Mas aí também já compete ao Governo Regional dar o mote no sentido de indicar o caminho a seguir.

T.I.- Embora já haja pessoas que fazem coisas úteis pelo ambiente e tenham consciência de que os recursos não são inesgotáveis, a verdade é que na prática são uma minoria…

F.C. - Não sei se é uma minoria. A questão é que umas fazem mais e outras menos. Mas todas têm de fazer, e muito. As pessoas habituaram-se, ao longo dos últimos anos, a pensar que o sucesso se mede em automóveis, roupas caras, jóias, etc, quando o sucesso é as pessoas estarem integradas na sociedade e terem um comportamento ambiental positivo que permita às gerações futuras terem também um mundo confortável.

Educação ambiental também para adultos

T.I. – A agricultura biológica e a compostagem têm, ainda, pouca expressão entre nós?

F.C. - Não têm grande expressão nesta altura, mas já tiveram no passado. A utilização de composto faz parte dos usos tradicionais.

A produção agrícola é feita num sítio que não é compatível com aquele onde é consumida. Se pensarmos, a nível mundial, as zonas agrícolas estão bastante longe das urbanas. Depois de utilizados, é impossível em termos económicos que os resíduos resultantes do consumo voltem ao local de partida. Estamos numa lógica muito diferente em que, de facto, vão ter que se alterar imensos comportamentos para que tudo isto possa, depois, ser “cosido” de uma forma harmónica.

T.I. - Isso passará muito pela sensibilização que está a ser feita agora…

F.C. - Exactamente. Aí entra a grande componente chamada educação ambiental. Mas hoje em dia já passámos de uma fase em que a educação ambiental era pensada apenas para os mais jovens e estamos a entrar na fase em que é também para os adultos. Vamos, por isso, ter que actuar também no mundo dos adultos. São esses vão ter que mudar os seus comportamentos.

T.I. - O que é mais difícil porque já têm hábitos instalados…

F.C. - Sim, por um lado, mas por outro também ainda não se tentou. É mais fácil começar pelas crianças, mas não podemos é ficar por aí. Temos que chegar aos adultos. Como chegar lá é algo que vamos desenvolver nos próximos meses.

Agricultura biológica vai imperar

T.I. - A grande ‘indústria’ do futuro vai ser o Ambiente?

F.C. – Certamente que o mundo vai estar muito mais virado para actividades pró-ambiente. As pessoas já não pensam que é apenas uma actividade relacionada com o ambiente mas, sim, uma actividade económica como outra qualquer. No outro dia andei num daqueles carros que se movem a energia eléctrica e a combustível ao mesmo tempo, e não se nota a diferença. É absolutamente normal.

T.I. – Acha que a agricultura biológica não assume outras dimensões por causa dos seus custos elevados?

F.C. - Quando queremos ter produtos saborosos, optamos pela agricultura biológica, que já está implementada. Actualmente podemos pensar que os produtos são muito caros porque estamos a compará-los com os outros, que têm uma factura ambiental que neste momento não é paga. Usamos fertilizantes e pesticidas, que constituem a grande diferença entre a agricultura biológica e a outra, mas não estamos a pensar na degradação ambiental que é provocada por esses químicos e que, de facto, podem fazer uma grande diferença em termos económicos. Quando começarmos a pagar essa diferença, o contraste entre a agricultura biológica e a outra passa a ser esbatido.

Evoluir sem destruir o que temos

T.I. – Os Açores podem ser considerados, ainda, um oásis em termos ambientais?

F.C. - Os Açores são claramente um oásis em termos ambientais. Sempre foram e sempre serão. Em termos mundiais espero que, no futuro, os Açores não se evidenciem, e que todos consigam ter um ambiente suficientemente bom para que as pessoas se sintam bem onde estiverem. Mas, para já, é claro que os Açores têm de apostar nos contrastes que têm em relação ao resto. Este é o capital positivo dos Açores. É claro que temos problemas ambientais, mas temos a enorme vantagem de sabermos quais são e quais são as soluções. O nosso grande desafio é conseguir evoluir economicamente sem destruir esta qualidade de vida que está intimamente relacionada com o ambiente.

Gestão de lixos, Áreas Protegidas e erradicação de invasoras

T.I. – Como director regional do Ambiente, que projectos pensa desenvolver?

F.C. – Por gentil convite da Senhora Secretária Regional do Ambiente e do Mar, Dra. Ana Paula Marques, entrei no Governo a meio de um mandato e dentro de um programa de acção com o qual me solidarizo. Pretendo levar muito a sério os projectos que estão em desenvolvimento. E quero que eles tenham um resultado tão positivo quanto possível. Nesse aspecto há três coisas que eu gostava muito que tivessem um cunho positivo da minha parte: primeiro, a gestão de lixos nos Açores, e recordo que poucos dias antes de eu tomar posse – o que aconteceu a sete de Setembro deste ano - foi aprovado o Sistema Integrado de Gestão de Resíduos no arquipélago dos Açores (SIGRA), que pressupõe uma série de investimentos e uma estratégia a nível de todas as ilhas para fazer uma utilização adequada dos resíduos.

O segundo aspecto prende-se com o reordenamento das Áreas Protegidas, um projecto também já em curso. Está a ser feita uma reorganização das Áreas Protegidas de forma a permitir a criação de órgãos de gestão que funcionem ao nível da ilha e não ao nível da parcela do território classificado, o que vai fazer uma grande diferença.

O terceiro aspecto tem a ver com as espécies invasoras. Há uma série de plantas que não pertencem ao arquipélago dos Açores, pelo menos não naturalmente, que estão a invadir o espaço e a inibir as espécies endémicas ou indígenas. Quanto às indígenas, a situação não é má, mas no que diz respeito às endémicas, trata-se de um património único que se pode mesmo perder. E compete à Direcção Regional do Ambiente, e ao director em particular, evitar que isso aconteça. Um exemplo do que estou a dizer, é o Monte das Moças, que está cheio de canas e conteiras.

E agora existe uma trepadeira nova, lindíssima, chamada Hypomeia, que “abafa” o que está por baixo. É dramático. A Direcção Regional do Ambiente obviamente que tem de intensificar uma estratégia para inverter a situação! Provavelmente não conseguiremos erradicar essas espécies, mas vamos reduzir o seu número até a um ponto em que possam conviver com as outras, sem as ameaçar.

T.I. – Já que falámos em endémicas, a camarinha é um bom exemplo disso. A Azorica tem feito um grande esforço para que esta espécie não seja extinta no Faial.

F.C. – É verdade. O presidente da Azorica já falou comigo sobre esse assunto e apresentou uma proposta por escrito para que se pense na sua classificação. Alguns técnicos desta Direcção estão a estudar esse assunto, o que provavelmente será complementado com uma análise exterior à própria DRA.

Já agora refiro que, tal como um grupo de cidadãos do Corvo teve a iniciativa de proteger uma parte do seu património marinho, concretamente na zona do Caneiro dos Meros, em relação à camarinha fazia sentido que os cidadãos, em conjunto com a edilidade, decidissem voluntariamente que aquela endémica na Fajã possuirá uma reserva. Isso facilita depois a fiscalização. É preciso que as pessoas conheçam esta espécie endémica, a valorizem e se disponham a protegê-la.

“Câmaras gastam muito dinheiro com os lixos”

T.I. – O tratamento dos resíduos é uma dor de cabeça para as autarquias.

F.C. - Reconheço que existe um esforço por parte da Câmara Municipal da Horta, assim como acontece com os outros municípios, em resolver o problema dos lixos. E foi por isso que o Governo aprovou o SIGRA e estamos a passar do SIGRA ao PEGRA, ou seja, o SIGRA é o sistema, o PEGRA é o plano estratégico em que, a nível mais detalhado, estarão definidas as valências para serem implementadas em cada uma das ilhas dos Açores, no sentido de fazer com que o lixo deixe de ser um problema e passe a ser uma solução.

Centenas de coimas ambientais nos Açores

T.I. – As pessoas ainda têm muito a noção de que as ribeiras e as encostas são vazadouros de lixo.

F.C. – Isso já acontece com muito menor intensidade. É claro que os Vigilantes da Natureza e os outros agentes da autoridade têm instruções para, primeiro aconselhar e explicar o que está em causa e porque não devem proceder de determinada forma e, depois, autuar. E têm-no feito: existem centenas de coimas ambientais nos Açores, embora muita gente não tenha consciência disso.

Existe uma actuação forte, mas tem de ser intensificada.

Vigilantes da Natureza com mais condições

T.I. – Para poderem actuar, os Vigilantes da Natureza têm de ter condições. As suas reivindicações já foram atendidas?

F.C. - Felizmente estamos numa situação de mudança. Estão a ser feitos concursos para a admissão de novos Vigilantes e em relação ao equipamento, que legitimamente ambicionam, está prestes a chegar.

Projectos para o Faial

T.I. – Em que ponto se encontram os projectos ambientais para o Faial?

F.C. - O que considerámos prioritário foi o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, que está em execução. Vale a pena ir até lá e espreitar a parede do andar inferior que não via a luz do dia há cerca de 50 anos.

De Interpretação, que permitem às pessoas ficar a saber a história natural de cada lugar. Para além de verem a paisagem podem obter ajudas para a sua compreensão.

Relativamente a Porto Pim, há uma macro-obra que integras várias subunidades. Existe o bar, que está integrado nesse Plano, e que já se encontra em funcionamento, e estamos a aperfeiçoar os projectos que existem em relação à fábrica da baleia velha, que vai ser recuperada, para acolher ideias interessantes, que a seu tempo serão anunciadas. A Casa dos Dabney também vai ser recuperada, mas o seu conteúdo é ainda uma surpresa. Contrariamente ao que se tinha pensado inicialmente, já não vai ser transformada num restaurante, porque se os que existem não estão a conseguir sobreviver, não fazia sentido o Governo criar mais uma estrutura para competir com as que foram arduamente criadas pela iniciativa privada.

Refira-se que em todas as ilhas já foram ou estão a ser construídas estruturas interpretativas do ambiente.

Em relação às plantas invasoras, iremos implementar diversas estratégias para nos começarmos a libertar delas. Aliás, incentivaremos todas as iniciativas de ONGs que tenham esse objectivo e que sejam enquadradas por técnicos da DRA.

T.I. – E quanto aos trilhos?

F.C. – A Levada é uma prioridade e uma mais-valia em termos de utilização turística que não pode ser desprezada. Neste momento existe uma consciência de que os Açores têm de entrar numa lógica de desenvolvimento sustentável, que só é exequível se o turismo que vier para as nossas ilhas não for o chamado turismo de massas. Tem que ser um turismo que venha à procura de qualquer coisa bastante específica. E obviamente que tem de estar relacionada com ambiente, mas não com ambiente sol. E para utilizar esse tipo de ambiente tem de haver uma série de mais-valias a nível cultural e outras que têm a ver connosco. Nessa perspectiva, temos estado a tentar instalar Centros de Interpretação, Trilhos e Ecotecas em todas as ilhas. Quando um turista chega aos Açores, para além de usufruir do património, pode e deve compreender o que está subjacente a esse património. Devo referir que há componentes de utilização ambiental que neste momento já são quase autónomas em termos de funcionamento, como sejam o mergulho, os passeios de barco à vela, enquanto outras ainda não têm essa capacidade, e cá estamos nós para dar o primeiro empurrão. Obviamente que esta parte da relação ambiental enquanto ambiente turístico tem mais a ver com a Direcção Regional do Turismo, o que não significa que não haja parcerias para que se fortaleça numa lógica de complementaridade.

Campanha SOS Cagarro

T.I. – A Campanha SOS Cagarro é um bom exemplo do envolvimento dos cidadãos e que poderia ser seguida para outras causas.

F.C. - A Campanha SOS Cagarro é uma iniciativa que não nasceu nesta Secretaria mas, sim, na Universidade dos Açores, mais propriamente no Departamento de Oceanografia e Pescas, na Horta, pela vontade do Dr. Luís Monteiro, que na altura dirigia um projecto “Life” que pretendia, entre outras coisas, salvaguardar as espécies de aves marinhas que cruzavam os Açores. Esta campanha teve imenso sucesso e foi agarrada pela Secretaria do Ambiente tendo como objectivos essenciais a salvaguarda da própria espécie, dos animais em si, colocar numa situação favorável aqueles que caem nas estradas e tomar iniciativas de educação ambiental em relação à importância das aves nos Açores. Não só sobre os cagarros mas, também, as outras para as quais o arquipélago se reveste de particular importância, como sejam os garajaus, o painho, etc.

O SOS Cagarro é exemplar e desejamos que se alargue as outras temáticas.

Ser biólogo ajuda a ser director do Ambiente

T.I. – Sente que o trabalho que desenvolvia como biólogo no DOP o ajuda agora nas funções de director regional do Ambiente?

F.C. – Muitos aspectos estão relacionados com o trabalho que faço hoje em dia. Como biólogo, as minhas actividades estavam relacionadas com o ponto de vista prático e teórico do meio marinho. Agora, essas actividades simplesmente alargaram-se. Antes, o meu trabalho tinha um conteúdo muito mais científico. Aquilo que me era pedido era que elaborasse estudos desde a concepção até à execução que, de alguma forma, ajudassem a interpretar o meio marinho e que depois pudessem ser utilizáveis na salvaguarda desse ambiente.

T.I. – Acha que agora pode fazer mais pelo ambiente do que antes?

F.C. – Posso, com certeza, contribuir mais do que antes e espero que esse contributo seja positivo.

Gostaria de referir que a DRA tem imensas iniciativas quer directamente quer em conjunto com outras entidades, mas o factor chave do ambiente nos Açores e no mundo é a participação. Quando os cidadãos tiverem vontade de participar e passar das palavras à prática, as coisas vão ser muito mais simples.

As perspectivas para o Desenvolvimento Sustentável na Região Autónoma dos Açores consagram onze prioridades e a primeira é precisamente a prioridade às pessoas. As pessoas têm de demonstrar o que querem e procurar faze-lo activamente. Por parte da Administração, têm que estar criados os instrumentos para que possam avançar. Já agora, posso dizer que o último desses pontos é passar das palavras à acção.

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Caminhos da Memória

A convite da Ecoteca de São Jorge, participei num dos últimos Caminhos da Memória de 2006. Mas o que é isto de “Caminhos da Memória”? São percursos pelas paisagens ambientais e culturais organizados durante os fins-de-semana de Verão por diversas entidades, mobilizadas pelas Juntas de Freguesia. Nestes percursos, delimitados geograficamente na área alvo, os cicerones apresentam as características do mundo natural, incluindo curiosidades de algumas espécies ou características dos habitats, da história, da sociologia, das artes e dos costumes. Estes cicerones, tipicamente de idade avançada, são escolhidos pelos conhecimentos gravados na sua memória pelo tempo. O programa dos “Caminhos da Memória” é coordenado pela Ecoteca de São Jorge.

Nesta ocasião, em particular, participei no percurso delineado na Freguesia da Urzelina. Esta freguesia de São Jorge está localizada a meio da costa Sul da Ilha. Iniciámos o percurso. O cicerone José Guilherme Machado levou-nos até à antiga Igreja da Urzelina, da qual apenas resta uma torre, porque, tal como nos descreveu “no dia 1 de Maio de 1808, dia do Bom Pastor, eclodiu um vulcão cuja lava tudo levou, excepto esta torre, onde se encontrava uma vaca prometida ao Espírito Santo. Um autentico milagre por entre a calamidade que se manteve por mais de duas dezenas de dias. Formavam-se nuvens ardentes, gases tóxicos movimentando-se junto ao chão, numa panóplia de desgraças que foram detalhadamente descritas por, entre outros, Júlio Verne no seu livro “A Agência Thompson”. Os relatos mais fidedignos são do Padre Barcelos, páraco da Urzelina e herói que, contra a intempérie das quinze crateras, lutou ao lado e à frente dos Jorgenses.”

O nosso passeio continuou e aprendemos quais as tradições agrícolas, as preocupações sociais e as histórias de pilhagens perpetradas por Picarotos (“o que é normal porque os Jorgenses faziam-lhes o mesmo!”, dizia alguém). Inspirados pelos originais moinhos da Urzelina de “palhetas” de madeira, falámos de energias alternativas. Falámos também da Urzela, um singelo líquen, pai do nome desta freguesia, que servia para sintetizar a tinta “a cor violeta ou o castanho-avermelhado, tipo cor de vinho”. Esta tinta, e o sangue de dragoeiro, utilizado para fazer a tinta vermelha que cobre os violinos e violoncelos, foram das primeiras exportações da freguesia. Mais tarde, os campos férteis da Urzelina exportaram também o vinho verdelho e a laranja.

O almoço foi oferecido no Salão da Casa do Povo da Urzelina. Foram umas saborosas sopas de Espírito Santo que, felizmente, não nos retiraram energia para continuar a subir e a descer os montes desta parte de São Jorge. A certo passo vimos uma ribeira com um amontoado de lixo. Eu nem queria acreditar que alguém tinha sido capaz de, por pura maldade, preguiça e/ou desleixo, manchar aquele magnífico vale. O Presidente da Junta de Freguesia, Raul Brasil, que também participou activamente no passeio, confessou que nos dias anteriores os seus homens tinham limpo grande parte do percurso, mas que ali, ele tinha dado ordens para deixarem como estava “para que os participantes percebessem quão irresponsáveis eram certas acções”.

No final do dia, depois de 18 quilómetros andados, os quarenta participantes ainda tiveram energia para assistir a um jogo de críquete. Este jogo, usualmente associado a uma certa aristocracia tradicional e certamente fora de moda para a maioria, continua vivo para o povo da Urzelina. Este foi um jogo de demonstração, mas, nos finais da tarde de Verão “as coisas fiam mais fino”, dizia-me um dos jovens jogadores locais.

Eduardo Guimarães, o director da Ecoteca de São Jorge, referia, quando me convidou a ir a São Jorge, “são caminhos e não trilhos, porque não podem ser percorridos sem os guardiães da memória, os tais de cicerones, que não devem ser confundidos com guias porque a ligação às memórias é muito mais próxima e profunda.” Estes caminhos da memória são passos largos para um futuro que não esquece o passado. Pelo contrário, sabe utilizá-lo valorizando e colorindo o presente num produto de elevada qualidade, maduro pelo tempo e saboroso pelo conhecimento e inteligência de quem os dinamiza. “A tendência” – reforçava o Eduardo – “é tornar o conjunto de Caminhos e de pólos de interpretação ambiental e cultural de São Jorge num Ecomuseu. Uma estrutura que estará onde estiverem Jorgenses interessados no seu património no sentido mais amplo da palavra”. Em São Jorge, o passado insiste em trocar mensagens com o futuro, aconselhando-o a não o esquecer e… sabe tão bem!

domingo, 12 de novembro de 2006

Açores em Ambiente de Mergulho

A raridade, a fragilidade, a sensibilidade e a importância ecológica, económica ou cultural são algumas das razões que conduzem à classificação do património natural. Esta classificação é o reconhecimento social da relevância e serve de alicerce à gestão específica dos valores em causa.
Há duas formas de classificação básicas: a legislativa, alicerçada em documentos aprovados pelos órgãos de soberania adequados e fiscalizável pelas forças da autoridade, e a voluntária, em que os utilizadores estabelecem espontaneamente as regras de utilização do património. Nos Açores, a zona classificada mais conhecida, também pelo elevado nível de restrições impostas, talvez sejam as “Caldeirinhas do Inferno”, no Monte da Guia (Ilha do Faial). Esta zona, classificada em 1980 como Reserva Integral pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, é fiscalizada pelos vigilantes da natureza, polícia marítima, brigada fiscal e outros cidadãos interessados. A reserva voluntária mais conhecida dos Açores, e provavelmente de Portugal, é o “Caneiro dos Meros” na Ilha do Corvo. Este local, cuja fama o aproxima do mito, está declarado, desde 1999, como condicionado à pesca de fundo.
O que têm estes dois locais em comum? Ambos se encontram na componente marinha dos Açores e nos dois casos os benefícios para a economia são reconhecidos por todos os que se aventuram a pensar com liberdade e isenção. A “Entrada das Caldeirinhas” é um dos locais mais utilizados para o mergulho com escafandro autónomo na Ilha do Faial e nos seus limites pescam quotidianamente diversos pescadores, ambos bafejados pelo corrupio de biomassa que entra e sai das antigas crateras. O “Caneiro dos Meros”, por seu lado, fez com que dois peixes, com um valor se fossem pescados de duzentos euros, tenham rendido isso por cada dia de Verão dos últimos anos. É que, definitivamente, as Áreas Marinhas Protegidas são um excelente negócio.
Acima de tudo, a conservação do ambiente marinho é muito mais do que apenas uma questão de números. É a inteligência da preservação do mundo natural, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, em oposição à desenfreada exploração para que nos impele um certo conceito de modernismo, mais próximo do vandalismo. As áreas e as espécies com exploração condicionada são a salvaguarda para a insegurança do amanhã, são a almofada para as intempéries e são uma questão moral. Hoje em dia ninguém pode propositadamente, no seu perfeito juízo, privar o mundo de alguma das suas espécies (apenas devem ser adicionadas ou removidas espécies pela própria dinâmica biológica e isso acontece naturalmente todos os dias). O planeta Terra apenas faz sentido com o seu património natural em equilíbrio e florescente. A herança geológica, biológica e ecológica do nosso mundo está a degradar-se, mas, nos Açores temos uma tripla e preciosa oportunidade: ao património natural marinho ainda valioso alia-se uma perfeita noção da sua fragilidade e das regras para a sua manutenção. Como de costume, com as oportunidades nascem também as responsabilidades… Nós somos os guardiães responsáveis pela manutenção deste pecúlio e uma coisa é certa, no final, quando nos pedirem contas, não poderemos alegar desconhecimento.
É neste contexto que nasceram as Áreas Marinhas Protegidas dos Açores. E temos estado na linha da frente em termos de pensar e implementar a conservação da natureza. Temos a maior área da Europa com pesca condicionada, fomos o primeiro país da União a declarar Natura 2000 uma zona fora do mar territorial e estamos preparados para começar a classificar o nosso mar profundo. Na plataforma dos Açores, dentro em breve, haverá uma área classificada a mais de 2000 metros de profundidade e a 230 milhas náuticas de distância. Nós conhecemos o património, reconhecemos a sua importância e classificamo-lo para poder gerir as sensibilidades ambientais.
Se essas áreas do mar profundo e misterioso, onde se desenrolam as “brincadeiras de Deus”, são apenas acessíveis através de submarino – e para aqueles privilegiados que puderem, vale bem o esforço – há outras áreas fascinantes do nosso arquipélago que são acessíveis ao ser humano que, simplesmente, ousar colocar a cabeça por debaixo de água. Apesar disso, e dado que são áreas classificadas, há regras que devem ser voluntariamente respeitadas. Se no caso extremo das “Caldeirinhas do Inferno”, tudo é proibido, incluindo a entrada na área, há outras áreas em que a maioria das actividades humanas é permitida e até estimulada. Por exemplo, na Baía de Angra (Ilha Terceira), zona classificada por causa do seu valioso património arqueológico, há um conjunto de bóias que sinalizam os melhores locais para entrada e realização de mergulho com escafandro autónomo. Antes de iniciar a submersão vale a pena informar-se sobre os conteúdos patrimoniais da área; é mais instrutivo e o mergulho ficará valorizado ou, posto de outra forma, se não aprender previamente algumas coisas sobre os naufrágios e artefactos em causa, o mais natural é não perceber o valor do que lhe é dado a ver. O mesmo se aplica a qualquer local com valor geológico, biológico ou outro. Não se dá o mesmo valor se não partirmos para a fase do conhecimento, que fica para lá da mera apreciação estética. Não é o mesmo olhar simplesmente para um cardume em movimento do que compreender a importância do tamanho da mancha e do movimento sincronizado utilizado para confundir os predadores, da comunicação através dos reflexos e da importância em manter os mais aptos no centro do cardume, para sacrificar os menos dotados que ficam nos extremos. Por muito bonito que seja, apenas olhar aproxima-se do desperdício de tempo. Portanto, iniciativas como este manual revestem-se de particular importância. Dotam o mergulhador ou o amante da natureza dos instrumentos de base para uma melhor apreciação do ambiente, o que lhe permite, logo à partida, três coisas: compreender parte do mundo natural, encetar novas descobertas e, muito importante, despertá-los para a identificação de qualquer anomalia. Estes cidadãos mais informados são preciosos como extensão da monitorização ambiental que é impossível de institucionalmente acontecer em todo lado e a todo o tempo.
Para utilizar as zonas classificadas é necessário conhecer as regras e as sensibilidades locais por forma a não causar danos ambientais. No entanto, em relação às zonas da rede europeia de áreas protegidas, locais Natura 2000, vale a pena ir um pouco mais longe. Há que estar consciente que aqueles sítios têm características únicas no contexto europeu e o desportista náutico em particular (incluindo os mergulhadores) deverá abdicar de extrair qualquer porção do património geológico, biológico ou cultural. Não deverá sequer manipular o fundo mar. Tocar sim, mas com o cuidado de não causar danos. Aquilo que está a ver e a sentir deverá continuar acessível a quem vier a seguir. Por exemplo, no mergulho “Sudoeste das Formigas”, é possível submergir a grande profundidade (cuidado!), ver grandes pelágicos, até jamantas no momento certo do ano, analisar as pequenas anémonas amarelas que se acotovelam naquilo que em tempos foi a popa do navio “Olympia”, e regressar à superfície já no lado leste de uma das estruturas geológicas mais antigas dos Açores. Raros serão os mergulhos que, no mundo, nos poderão dar tanto prazer.
Logo ali ao lado, a cerca de 3 milhas para ESE está o “Recife Dollabarat”. Ao contrário do que muitas vezes se repete, este não é o nome de um navio afundado na área. Pelo contrário, é o nome do comandante, de origem basca, que colocou o Recife no mapa, impedindo assim que as rochas que se situam a uns traiçoeiros três metros de profundidade pudessem tornar-se as pedras tumulares de algum desafortunado navio. Pierre Dollabarat deve ter visto as barbatanas de tubarões que por ali andam perto da superfície, mas nunca soube que naquele local há vales profundos, que rasgam a rocha até aos 40 metros de profundidade e, que, lá bem no fundo, é possível falar com os meros!
Há 17 sítios marinhos classificados como pertencentes à Rede Natura 2000 submetidos sob proposta do Governo Regional dos Açores. Preparam-se, neste momento, as candidaturas de duas ilhas à rede Biosfera e mais cinco áreas estão propostas pelo Estado Português para fazerem parte da rede de áreas classificadas da Convenção OSPAR. São estes alguns dos títulos que têm reconhecido a importância, sensibilidade e riqueza do património geológico, biológico e cultural do mar dos Açores. A nós, mergulhadores responsáveis resta-nos usufruir com prazer e preservar com responsabilidade o legado que outros, tão simpaticamente, nos deixaram.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

A Realidade da Educação Ambiental

“O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu no final do século XX e designa o progresso económico integrado com o equilíbrio ecológico e com a preservação da qualidade de vida das populações humanas a nível global” (adaptado de Wikipédia). É praticamente unânime que apenas as sociedades assentes nos princípios inerentes ao desenvolvimento sustentável terão a capacidade de singrar a longo prazo. Para que seja possível viver nesse equilíbrio entre a ambição do homem e as limitações naturais é necessário que a informação sobre os valores e boas práticas ambientais circule. É exactamente neste ponto que a educação ambiental tem um papel determinante.

Estive recentemente na Ilha da Madeira, no Concelho de Santana, a assistir a uma reunião do projecto REIA MAC - Rede de Núcleos de Recursos de Educação e Informação Ambiental da Macaronésia (financiado pelo fundo europeu Interreg III B). Nessa ocasião, tive a sorte de assistir a diversas palestras tendo como pano de fundo a temática da educação ambiental podendo verificar que esta disciplina é muito mais complexa e abrangente que a simples disponibilização de informação. A educação ambiental deve informar da diversidade de interacções para que dinamizadores e população busquem as soluções, e muitas vezes das próprias perguntas, para os problemas eco-sociais (mais detalhes em www.aspea.org).

Na mesma reunião conheci uma série de pessoas e iniciativas que tentam incutir os bons comportamentos ambientais nas populações da Macaronésia (isto é: Açores, Madeira e Canárias) e disseminar o conhecimento sobre o mundo natural.

Portugal, enquanto país, tem andando pelo mundo da educação ambiental sem uma estratégia definida, saltitando entre pequenas iniciativas razoavelmente informadas e imbuídas de um espírito voluntarista admirável. A Estratégia é importante para que se possam definir objectivos gerais, metodologias e, periodicamente, se possa proceder à avaliação dos resultados. Nos Açores, felizmente, o panorama é razoavelmente diferente. Não há ainda uma estratégia formal, mas há uma linha condutora que tem incentivado o aparecimento de estruturas de educação ambiental e tem promovido a relação entre estas e as populações locais. Foi desta forma que nasceram as infra-estruturas de informação e educação ambiental dos Açores (centros de interpretação ambiental e ecotecas). Praticamente todas as ilhas têm, pelo menos, uma destas infra-estruturas. O centro cultural e ambiental da ilha do Corvo fechará em breve o anel do Arquipélago.

Agora, na Madeira, aprendi que não basta criar as estruturas. Numa muito interessante intervenção da Professora Helena Barracosa, verifiquei que, a nível nacional, grande parte destas estruturas sofrem de males endógenos. Por exemplo, faltam meios de acesso para os portadores de deficiência, meios de segurança, não há coerência ambiental, as actividades são pouco diferenciadas, há pouca participação, há pouca implicação dos docentes, as actividades não estão orientadas também para a população adulta, não há avaliação dos equipamentos ou actividades, as equipes educativas das ecotecas e centros de interpretação não têm estabilidade profissional, não têm a formação adequada, são muito instáveis e são constituídas por poucos elementos, há uma forte sazonalidade nas acções ficando os centros sub-utilizados e com falta de manutenção, os modelos de gestão são pouco ágeis, sendo incapazes de gerar fundos ou concorrer a projectos e estão demasiado dependentes de vontades políticas, falta a divulgação dos equipamentos e não há funcionamento em rede. Tenho a esperança e a sensação que a situação nos Açores é melhor. No entanto, talvez devido à juventude da rede açoriana, falta fazer a sua avaliação. É necessário fazer uma caracterização das estruturas, verificar os pontos fracos e fortes e, por exemplo, criar as metodologias adequadas para que a passagem da mensagem seja mais eficiente e interessante.

Uma das máximas do desenvolvimento sustentável e do ambientalismo em geral, que tenta ser transmitido através da educação ambiental, é “pensar globalmente, agir localmente”. Com esta frase simples, chama-se a atenção para a importância de todo o cidadão ser pró-activo e agir de acordo com a sua consciência, mas tendo em vista o bem-estar global pensado a longo prazo. Assim, assuntos delicados como a paz, o aquecimento global, a globalização do comércio e dos comportamentos, a fome, os direitos do homem e da criança, entre outros, têm que estar na nossa agenda quotidiana. Não podemos esconder a cabeça na areia e pensar que é um problema dos outros. Está no nosso mundo, logo é um problema nosso!

Na época da informação áudio-visual há dois documentários essenciais para quem se quiser manter informado sobre esta temática. “O Pesadelo de Darwin” e “Uma Verdade Inconveniente” são dois documentos instrutivos e didácticos a ver urgentemente. Não são filmes para crianças (principalmente o primeiro) e, advirto, que não irá ficar nada bem disposto. A realidade tem destas coisas…

Os Açores e a Directiva do Meio Marinho

Nos últimos tempos, tem estado em cima da mesa a discussão institucional da Directiva Comunitária o Meio Marinho. Esta Directiva determinará que os Estados são responsáveis pela manutenção do bom estado ecológico dos seus mares e quais as acções genéricas que se devem tomar em caso de este não ser atingido. Por princípio poderá parecer uma óptima notícia para a protecção dos mares e, se tivermos em atenção outras iniciativas europeias do passado, como as Directivas Aves e Habitats, podemos esperar o melhor.

Por razões relacionadas com as minhas actuais tarefas, tenho acompanhado o desenvolvimento desta Directiva. Isto tem-me permitido verificar como estes processos se desenvolvem ao nível da Comissão e começar a pensar que, realmente, esta Directiva pode não ter consequências tão boas como as outras que referi anteriormente. É que, de há uns tempos a esta parte, a consideração pelas regiões ultra-periféricas tem decaído para uma segunda linha. Por exemplo: quando a Comissão resolveu abrir as águas exteriores dos Açores à pesca industrial europeia esqueceu-se de proibir a utilização de redes de arrasto e de cerco. Não fosse a incansável luta dos nossos (leia-se “açorianos”) deputados europeus, pescadores locais, governo regional e universidade e hoje, possivelmente, já não haveria corais de profundidade nas nossas águas. A mesma Comissão, com a ajuda do governo português, esqueceu-se de colocar um limite ao número de embarcações que podem pescar nas águas exteriores dos Açores. Ou seja, neste momento, o número de embarcações que podem estar a pescar num determinado momento nas nossas águas exteriores (entre as 100 e as 200 milhas) pode ser superior a 1000000. Claro que este número nunca será atingido e utilizei-o para enfatizar que não há um limite estabelecido! Quais as consequências para as populações de espadarte, a pesca de excelência nesta área? Quais as consequências para as tintureiras, a quem muitas vezes cortam as barbatanas e voltam a libertá-las ainda vivas!! para que não ocupem espaço nos porões? Quais as consequências para as “protegidas” tartarugas, que são apanhadas nos anzóis e depois de libertadas ficam, comprovadamente, desnorteadas tal o nível de ferimentos? Pois, a Comissão não sabe, e nós também não sabemos, mas ambos desconfiamos. A postura é que é diferente. Nós temos gritado para que a irresponsabilidade pare, mas a Comissão tem fechado os olhos esquecendo os seus propósitos alegadamente precaucionários. Estou a ser um pouco injusto, dado que muito temos beneficiado com a Comissão e em diferentes áreas, mas, neste caso, as coisas não têm sido tão simples.

Vem tudo isto a propósito da tal Directiva que agora está em discussão. Os Açores têm reiterado que há três pontos que devem ser modificados: 1- O que é o “Bom Estado Ecológico” tem que estar definido na Directiva. Até agora os textos têm referido que este estado deverá ser definido pelos países. Ora, conhecendo a atitude típica dos governos dos países, provavelmente, irão definir parâmetros pouco coerentes e minimalistas para garantir que nunca serão atingidos negativamente. É esta a postura que tem sido seguida com as pescas, em que as quotas e os tamanhos mínimos raramente são compatíveis com a situação ecológica das populações piscícolas. Veja-se o caso do bacalhau no Mar do Norte. Curiosamente, também neste caso a excepção é açoriana, em que as quotas de goraz são, aparentemente, minimalistas em relação ao manancial existente.

2- Outro dos pontos em que os Açores têm sido particularmente enfáticos está relacionado com a definição de Região. Para a Comissão Europeia há apenas três Regiões e resultam de três Convenções Europeias: o Mar do Norte (Convenção HelCom), o Mar Mediterrâneo (Convenção de Barcelona) e o NE Atlântico (Convenção OSPAR). Os Açores, Madeira e Canárias têm-se batido para que seja criada a Região Macaronésica. Pensamos que apenas com esta Região se poderá garantir uma boa gestão, consolidada na homogeneidade ecológica, económica e social desta enorme área. Esta questão já tinha sido abordada em iniciativas anteriores e o resultado foi sempre de enfatizar a coerência dos arquipélagos exteriores como foi o caso da Directiva Habitats, a criação das Regiões Ultra-Periféricas e o Programa Interreg. Porque é que agora se tenta esquecer este facto, tentando esconder a Madeira e as Canárias numa Convenção a que nem sequer pertencem?

3- Outro dos pontos que tem suscitado algum desentendimento é o financiamento. A Região tem chamado a atenção para a necessidade de estabelecer quem é que irá pagar as despesas inerentes à aplicação da Directiva. A própria Directiva refere que não há a criação de instrumentos financeiros para a sua aplicação, mas, em documentos de trabalho, estima que a sua aplicação à nossa Região poderá onerar-nos em várias dezenas de milhões de euros. Sendo esta uma região ultra-periférica, em que todos os tostões contam, como poderemos nós honrar os compromissos impostos?

Posto tudo isto, olho com alguma desconfiança para esta Directiva e pergunto-me se será este o caminho mais adequado. Já se comprovou que as regiões são melhor geridas localmente, desde que enquadradas por normas gerais, como foi o caso da Directiva Habitats. Porque se insiste agora em introduzir precipitadamente uma Directiva do Meio Marinho cujo principal objectivo, o Bom Estado Ecológico, nem sequer é definido? Nem parece da União Europeia.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

A nova frota branca

Estava de férias na Ilha do Corvo (Açores) quando me deparei com os factos que relato a seguir. Estranhamente, os dois polícias marítimos saíram simultaneamente da Ilha, após um prolongado período de serviço. Não se entende muito bem porque é que ambos foram desmobilizados ao mesmo tempo, mas não é sobre isso que quero escrever. No dia seguinte, alguém me disse: “a polícia marítima saiu, agora a frota branca até se aproxima durante o dia!” Não entendi a frase à primeira, mas, depois de olhar para o horizonte compreendi. Uma embarcação de recreio branca seguia das Flores para o Norte do Corvo por Oeste e outra por Este. Aproveitam normalmente o anoitecer para fazer a aproximação e assim garantir que poderão apanhar todo o pescado que quiserem sem serem incomodados. Por um lado, as autoridades não sabem que eles lá estão e, por outro, também não podem patrulhar aquelas águas porque não há equipamentos para tal… A corveta é grande demais e os inadequados semi-rígidos da Marinha de Guerra Portuguesa não têm equipamento para navegar na noite escura do Grupo Ocidental dos Açores. Qual é o resultado? Nas diversas imersões que realizei nestas duas ilhas contei zero cavacos e zero pelágicos e meros de grandes dimensões (excepção feita para a reserva voluntária da Ilha do Corvo). Mergulho nesta ilha desde os anos 80 e nunca vi um cenário tão triste. E é pena porque, na Ilha do Corvo, as comunidades normalmente tidas por “complicadas”, como os pescadores e caçadores submarinos, são cooperantes, interessadas e voluntariosas, mas, ao verem estes tristes espectáculos, apenas dizem “proteger para nós começa a ser igual a perder. Nós não pescamos e a única consequência é virem pescar por nós”. Gostava de os contrariar, mas a verdade é que eu vi. Ou melhor, não vi um único cavaco no mar. Perguntei na Lotaçor do Corvo e a resposta foi clara: “não há registos de cavacos vendidos nos últimos anos”. Sabem onde é que eles estão? Nos restaurantes das outras Ilhas. A nova frota branca, à qual se juntam também alguns profissionais, vende directamente aos restaurantes colocando-se numa posição de competição ilegal com os profissionais cumpridores, delapidando os recursos que são de todos e, ainda por cima, não pagando os impostos devidos. Magnífico negócio…

Fico sinceramente irritado quando me deparo com a irresponsabilidade ecológica à qual, neste caso, acresce ainda a irresponsabilidade económica. Toda a gente sabe que há escolas neste nosso país que, nas “barbas” da burocracia do IPTM, vendem os cursos de marinharia desportiva por preços módicos e com sucesso garantido. Toda a gente sabe que há uma proliferação de embarcações de recreio sem outro propósito que não seja a captura de pescado para venda. Toda a gente sabe que os restaurantes são abastecidos por pescado ilegal. Restam as perguntas: Onde anda a Inspecção Económica? A Inspecção das Pescas? A Polícia Marítima? São urgentes acções consequentes! Há trabalho feito (ver: http://www.igp.pt/), mas é preciso mais.

À irresponsabilidade da pesca ilegal acresce, por vezes, a falta de segurança desta frota mal controlada. Ao risco da sua própria segurança acresce a daqueles quem têm de os ir salvar.

Ao contrário da antiga Frota Branca, composta por belas, alvas e imponentes embarcações, cheias de gente corajosa que pescava o bacalhau na Terra Nova, esta nova frota branca não merece os nossos mares. Algo de muito estranho se passa na Marinha de Recreio em Portugal!

Felizmente, nem tudo é mau. Também há boas notícias. Ao contrário do que se chegou a suspeitar, a remoção do navio "CP Valour" foi levada a sério e já se encontra em fase adiantada de desmantelamento. Este navio de 177 metros, encalhou misteriosamente (continua a não existir um relatório público) a norte da Ilha do Faial em Dezembro de 2005. O impacto ambiental, apesar de existente, foi reduzido e, aparentemente, os prognósticos mais optimistas irão ser cumpridos, sendo o navio removido até ao final do Verão de 2006.

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Estrelas-do-Mar

Ainda antes da partida para o Gorringe (Ver Missão ao Gorringe nesta revista), ao analisar as listagens, estranhei a ausência de algumas das espécies dadas para a área. Por exemplo, não fazia muito sentido não estarem registados cetáceos, tubarões, tunicados, briozários e… estrelas-do-mar. Seria mesmo verdade? Estariam estes animais realmente ausentes deste monte submarino? Algumas das espécies foram agora registadas, mas para outras o mistério permanece.

Um dos grupos ausentes do Gorringe era o das estrelas-do-mar. Talvez porque seja um dos alvos dos fotógrafos subaquáticos, estes animais são autênticas estrelas do cosmos do mundo submerso. Assim sendo, pensei eu, provavelmente não há razão para que as expedições anteriores não tenham detectado a presença destes animais. Agora, qual será a razão ecológica que explica este facto? Será que as larvas, resultantes da reprodução, podem não ter chegado tão longe como ao Gorringe?

A priori o problema com as estrelas-do-mar é um pouco ao contrário. Aproveitando o transporte facilitado através das águas-de-lastro e dos cascos dos navios, a Asterias amurensis, espécie originária da Ásia, é agora uma praga fora de controlo na Austrália. Estes animais são capazes de se reproduzir sexuada e assexuadamente, produzir milhões de ovos por ano e são predadores vorazes. As larvas podem sobreviver mais de cem dias na coluna de água, o que é tempo suficiente para passarem de Portugal Continental ou Madeira para o Gorringe, de acordo com as correntes prevalecentes. Portanto, o mistério adensava-se. Onde andam as estrelas do Gorringe?

Na tentativa de resolver este mistério, resolvi fazer uma revisão do grupo e das principais espécies dadas para a Macaronésia. As estrelas-do-mar são animais pertencentes ao filo dos equinodermes. Este filo agrupa, para além das estrelas, os ouriços-do-mar, as holotúrias e as comátulas (crinóides para os mais esotéricos). Segundo o excelente manual do Professor Luiz Saldanha, os equinodermes não têm o corpo segmentado e são geralmente pentarradiados, em torno de um eixo definido pelos centros das faces oral e aboral. Isto é nitidamente visível nas cinco divisões dos ouriços-do-mar ou nos cinco braços das estrelas, embora haja algumas excepções. Esta divisão pentarradiada não é visível nalguns equinodermes, como as holotúrias. As cabeças dos equinodermes não são diferenciadas e a parede do corpo apresenta um placas calcárias que formam geralmente um esqueleto rígido ou flexível.

As espécies mais frequentes de estrelas-do-mar são Ophidiaster ophidianus, Hacelia attenuata, Marthasterias glacialis, Coscinasterias tenuispina e Chaetaster longipes . A primeira é a mais comum nos Açores e possui um púrpura avermelhado e penetrante, que fica espectacular nas fotografias. A sua distribuição estende-se desde os Açores a Santa Helena, no Atlântico Sul. Esta é uma daquelas espécies que pode ter mais de cinco braços. Com um olhar menos atento é possível confundir esta espécie com a Hacelia attenuata , embora o ponteado que o seu corpo apresenta seja característico. AMarthasterias glacialis é também muito comum e tem um aspecto esbranquiçado com espinhos ligeiramente sobre-elevados, embora com alguma capacidade de mimetismo. A Coscinasterias tenuispina é ligeiramente parecida com a Marthasterias glacialis , mas com mais braços (pode ter até nove). A Chaetaster longipes não é tão frequente, mas ocorre dos 40 até aos 1100 metros de profundidade. Para um leigo, esta estrela tem um aspecto de um juvenil porque os braços são finos e extensos e parece desprovida de coloração ou espinhos evidentes.

Era esta informação que levei para o Gorringe. Estava preparado para procurar estrelas-do-mar. E o mito começou a desmoronar-se ao terceiro mergulho! Numa frincha muito aguda encontrei umaMarthasterias glacialis . Utilizei a minha faca de mergulho para a tentar retirar. Comecei a tentar removê-la, mas senti que poderia ferir o animal e não o conseguir apanhar. Desisti quando o meu computador de mergulho assinalou o início do período de descompressão. Tinha que voltar à superfície sem “a prova”. Comecei a resmungar mal entrei no barco. “Eu juro que vi uma Marthasterias ”, mas estava ciente que sem uma segunda testemunha ou uma amostra recolhida iria ser apenas alvo de riso… Como os biólogos-marinhos costumam dizer: “sem fotos, sem amostras, sem testemunhas, não existe!”. Na mitologia dos cientistas do mar, há enormes e fantásticas histórias que continuam simplesmente a não existir. Uma delas inclui uma jamanta a saltar em cima das rochas, fora de água… Apesar das juras dos dois observadores, continuam apenas merecer um sorriso simpático. Deixemos as jamantas e voltemos às verdadeiras estrelas-do-mar. Estava então eu aborrecidíssimo por não ter apanhado a estrela, lamentando a minha vida... Eis senão quando, um dos meus colegas de mergulho nos confirma “sim, eu também vi, e fotografei!” Uff, estava a salvo da chacota colectiva.

Nos dias seguintes encontrámos mais uma espécie, a Chaetaster longipes. Estava confirmado, havia estrelas-do-mar no Gorringe e assim caiu mais um mito. Como acontece com frequência em ciência, logo nasceram mais duas perguntas óbvias: Porque é que as estrelas-do-mar não tinham sido detectadas antes? Porque continuam a não ser detectadas algumas das espécies mais comuns?

Para a Ophidiaster ophidianus se calhar a resposta até pode ser simples. Sendo uma espécie rara após os vinte metros do profundidade, eventualmente, não terá sido capaz de colonizar este monte submarino, cujas profundidades mínimas rondam os trinta metros. Por outro lado, o nosso esforço de mergulho pode não ter sido suficiente para detectar outras espécies. Apenas no terceiro mergulho conseguimos verificar a sua presença, portanto, quantos e quais outros mistérios estão escondidos a seguir ao décimo mergulho ou ao trigésimo?! Só há uma solução: continuar a estudar até compreendermos a dinâmica ecológica deste sítio fantástico!

Para saber mais:

Nos livros:

Saldanha, L. (1997) Fauna submarina atlântica. Publicações Europa-América, 364p.

Wirtz, P. & H. Debelius (2003) Mediterranean and Atlantic invertebrate guide. ConchBooks, 305p.

Agradecimentos:

Ao David Abecasis do CFRG/UAlg é o Coastal Fisheries Research Group (Grupo de Investigação Pesqueira) da Universidade do Algarve pela utilização da foto de Marthasterias glacialis obtida no Gorringe, aos João Gonçalves, Marco Aurélio Santos e Peter Wirtz pela utilização das restantes fotografias e ao Rui Prieto da SubZero pela revisão do texto. À LusoExpedição 2006 por me terem convidado para participar nesta fabulosa missão científica e pedagógica.

Artigo completo, incluindo fotografias em:

http://www.horta.uac.pt/Projectos/MSubmerso/200607/equinodermes.htm



Nuclear, não obrigado!

Parte 1 - Esta semana terminou a Luso-Expedição 2006. Esta missão científica e pedagógica levou cientistas e estudantes, a bordo do Navio de Treino de Mar “Creoula” do Ministério da Defesa Nacional, até ao monte submarino Gorringe. Felizmente, tive a oportunidade de participar nesta inesquecível viagem. Num momento em que tanto e bem se fala da extensão da plataforma continental de Portugal é essencial conhecermos bem os nossos mares e os seus fundos. Apenas com a análise das macro-espécies observadas ou recolhidas, esta iniciativa da Universidade Lusófona aumentou em 40% o número de registos para este monte submarino. Espectacular!

Parte 2 - Depois da publicação do meu artigo sobre a caça-submarina recebi algumas mensagens congratulando-me pela opinião expressa e partilhando-a outras nem tanto… Aqueles que contestam a minha opinião alicerçam-se em dois vectores essenciais: 1) o baixo impacto ambiental da caça quando comparada com outras actividades humanas e 2) a falta de dados científicos sobre o impacto deste desporto. Houve outros argumentos esgrimidos, mas não são suficientemente robustos para merecerem referência.

Em relação aos dois pontos de vista expostos tenho que admitir que são basicamente verdadeiros. De facto, há actividades com consequências ambientais muito piores que a caça-submarina e não há muitos trabalhos que determinem o impacto ambiental da caça-submarina. Vou começar pelo segundo argumento. Não há muitos trabalhos científicos sobre caça-submarina e o seu impacto ambiental, mas há alguns. Destaco em especial o trabalho de licenciatura do meu colega Hugo Diogo e que foi parcialmente exposto nesta revista (verMundo Submerso número 87). Na sua tese, o Hugo através de uma abordagem desapaixonada, analisou durante diversas semanas todas as caçadas e mesmo grande parte dos tiros efectuados numa determinada área da Ilha de São Miguel. É um trabalho exemplar que deveria ser repetido noutras áreas de Portugal. Em termos gerais, o Hugo chega à conclusão que a caça tem impacto ambiental, mas que este é baixo. Outros dados apontam para o baixo impacto da caça, mas para a importância do somatório das diferentes actividades recreativas extractivas (nas quais está incluída a caça).

Agora o segundo argumento. Como demonstrado no trabalho do Hugo, de facto, a caça-submarina, especialmente se existirem limites e forem respeitados, como o são nos Açores, tem muito menos impacto que outras actividades. No entanto, isso não significa “impacto zero”. Esse impacto poderá ser colmatado com algumas iniciativas simples, mas de largo alcance: criação e respeito de áreas marinhas protegidas, avaliação dos candidatos a caçadores (talvez na sequência de cursos de apneia) e fiscalização efectiva.

Como referi acima, troquei algumas mensagens com diversos interessados na caça-submarina desportiva. Numa dessas mensagens escrevi, e foi-me sugerido que o publicasse, o seguinte: “A caça é um passeio pelo mistério, pelo desconhecido, há um certo frisson pelo perigo, é uma tentativa de atingir as melhores marcas e é também uma forma de convívio. Para alguns dos caçadores é ainda, e mais que tudo o resto, um complemento ao mar que amam. Caso os caçadores dêem passos no sentido da utilização sustentada dos Oceanos, os restantes utilizadores terão de lhe seguir os passos. E aqui é que está a pedra de toque! Enquanto os desportistas desprezarem, pelo menos na atitude pública, o meio de que tanto gostam, como se poderá esperar que os outros o façam?”

Consensualmente, as maiores ameaças ao mundo marinho são: a poluição, a sobre-pesca e a alteração da orla costeira. Porque há algumas iniciativas para que Portugal avance nesse sentido, destaco a inutilidade da energia nuclear. Portugal é um país pobre que, pelo que infelizmente conhecemos, não tem capacidade para fiscalizar as suas actividades industriais. Agora imaginem uma central nuclear desregrada…? Lembram-se de Chernobyl? Por outro lado, o lixo nuclear, que resta após a produção, tem uma degradação muito lenta (centenas de milhares de anos) e é altamente poluente. Por causa disso, alguns países resolveram “livrar-se” destes restos colocando-os em bidões e afundando-os nos fundos oceânicos. A degradação rápida desses recipientes (uma centena de anos) irá libertar o poluente que lá está dentro. Espero que alguém esteja a pensar seriamente nisto… Depois de se ter decidido que não haveria mais lançamentos de poluentes no mar alto, o lixo nuclear passou a ser “tratado” de diversas formas incluindo o transporte em embarcações eternas, que passeiam pelos mares sem porto de chegada. Há iniciativas tipo “varrer o lixo para baixo do tapete” que estarão operacionais em 2010, segundo consta. Algo me diz que esta é uma não-solução e que a deveríamos evitar enfaticamente. É curioso que os dois países que neste momento “debatem” a entrada no clube da energia nuclear são Portugal e… o Irão. Fará sentido?

Apesar de este ser um problema muito sério, não significa que nos esqueçamos do resto. Na minha opinião, temos de encarar o meio ambiente como um todo, em que todos temos a responsabilidade de minimizar o nosso impacto pessoal e trabalhar colectivamente para a recuperação dos ambientes degradados que, infelizmente, nos deixaram.

Para saber mais:

http://en.wikipedia.org/wiki/Nuclear_waste

http://www.sortirdunucleaire.org/


Publicado na coluna "Casa-Alugada"

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Cartas e respostas a um artigo sobre Caça Submarina escrito por mim

CARTA 1

Em resposta ao artigo "A Caça Submarina" de Frederico Cardigos

Embora humanamente permitido, não é suposto entramos no campo das emoções, especialmente quando estamos a falar de medidas que, ao entrar em vigor, afastam outro animal também muito conhecido, o Homem e no caso específico da Pesca Submarina, de homens que ludicamente comungam com a Natureza e os seus elementos.

Como homem de ciência que é, apoia com certeza as decisões baseadas em algo palpável. Neste caso específico falo de contagens de pescado, de levantamentos nos próprios locais de pesca, de estudos suportados no tempo e no espaço.

Aqui há dias, num canal de cabo, fiquei surpreendido ao ver um programa acerca de como um país, do qual não me recordo o nome, geria o seu peixe. Os Biólogos tinham eles próprios navios de pesca nos quais faziam capturas nas diversas zonas e com as quais conseguiam ter um seguimento real do que era ou não desejável apanhar e em que quantidades. Depois esta acção ficava mais completa com uma estreita colaboração a bordo das embarcações de pesca comercial.

Volto então a pensar nos sentimentos que partilhou com os leitores e dou comigo a pensar que de facto um azar nunca vem só e que cá em Portugal até os Biólogos Marinhos têm sentimentos.

Claro que assim, ao olhar Portugal pela lupa poética e sentimental, talvez possa perceber porque razão os Meros estão em extinção para os Pescadores Submarinos insulares mas sejam pescados às toneladas na pesca comercial, que as Berlengas tenham de ser protegidas dada sua riqueza cinegética, da Pesca Sub, mas que as restantes Pescas lá possam tirar quantidades sem limite, que Sesimbra seja a mãe de todos os peixes mas que todos, excepto os do costume, lá possam pescar sem limites e que num futuro próximo Portugal possa ser o mais exemplar país na protecção dos mares sem que nada de mensurável lhe sirva de base.

Sr. Frederico, se já não era correcto responsabilizar a Pesca Submarina pelos males do mar sem qualquer base científica não é também, com certeza, nem sequer moralmente correcto, responsabilizar o Pescador Submarino por tudo aquilo que se faz abaixo da linha de água. Para isso existem leis e autoridades para as fazer cumprir e aplicar, individualmente as penas previstas em caso de incumprimento.

Se é aos Pescadores Submarinos que cabe mudar tudo? Também é uma questão muito discutível porque nos países a sério são os senhores cientistas que pautam a mudança e afinal de contas, onde estão os estudos que comprovam qual o peso da Pesca Submarina em Portugal Continental?

Talvez já fosse tempo informar, quem financia com milhões estas reservas naturais, de que as decisões são baseadas em puros laivos de poesia e sentimento e que dificilmente se reflectiram num mar sustentável.

Maldito fado!

Com os meus melhores cumprimentos,

Nuno Rosado

CARTA 2

CAÇA SUBMARINA...

pensando nela… continuando o tema do Dr. Frederico Cardigos, no Mundo Submerso nº 107 Maio de 2006…

Na minha actividade de caçador e naturalista, significativa parte de 50 anos vividos, conheci e estabeleci amizade ou colaboração com cientistas e investigadores, de que são exemplo, Francisco Rainer, João Pedro Barreiros , Carlos Fonseca, Pedro Vaz Pinto, cujos títulos académicos e obras omito, dada a nossa proximidade e termos partilhado paixão e saber, o que acima de tudo considero um privilégio e uma distinção.

Do mesmo modo entendo como privilégio a atenção dos leitores, desta e outras revistas, a quem tentei de algum modo transmitir algo. Poderei ser prosaico, mas tento “fazer cultura”; cultura da Caça… o que leva alguns a apoiarem-me e outros nem por isso…mas é assim como em tudo o mais e o balanço é positivo, o que me anima a continuar e me levará em breve mais longe…

O Dr. Frederico Cardigos, constitui um marco nesta revista multidisciplinar, por em minha opinião, fazer cultura: - A da Ciência!

Li atentamente, a sua reflexão sobre a caça submarina! Assumo que sofri algumas pressões e sugestões para lhe responder, algumas menos próprias, por desentendimento ou excesso de paixão, o que evitei, pois o que pretendo é continuar a reflectir no tema e não abrir polémica, não por a recear, mas porque entendi claramente a preocupação que ele transmite.

Começarei pelo fim e para, contrariamente ao que muitos esperam, lhe dar razão !

Como ele também eu questiono:

- Quem está preparado para seguir um código de conduta?

Basta dar uma vista de olhos pelos sites nacionais de pesca submarina, que a despeito das intenções louváveis dos seus criadores, espelham uma situação ambígua nas atitudes e ideias, de interesses muitas vezes mal dirigidos.

Percebe-se a falta de mobilização e a ineficácia para mudar o estado das coisas, a começar pela formação ética dos pescadores submarinos. Recentemente, aí pude ler alguém – anónimo – que dizia ter cada vez mais vontade de caçar à noite. Lapidar! Depois temos o resultado em Sesimbra…bem o merecem!

Os verdadeiros Caçadores respeitam as regras, mas quem são? Pergunta-se…

São os que lêem estas páginas? Ou os que não lêem, porque as acham repetitivas, enfadonhas, uma seca…e sobretudo porque acham que já sabem tudo, e porque elas não tratam de “matar peixe”, aquilo que apenas interessa a uns quantos que se julgam a maioria? Nós, no “Mundo Submerso”, bem sabemos que não são!

E lá virão as restrições dos Açores e Madeira e mais Berlengas…estão eles mesmos a trabalhar para isso… e que facilidades dando aos nossos detractores… perante o imobilismo generalizado de quem o máximo que faz é de vez em quando carregar no teclado e enviar um mail , normalmente mal-alinhavado, escrito sem reflectir, num impulso imediato, falho de consistência e objectividade o que a Internet promove, e como tudo que é instantâneo é efémero… Exactamente! A Internet é para mim a “cultura do instantâneo”, consequência duma modernidade que rejeito!

Discordo no entanto das limitações que Frederico Cardigos sugere, de modo geral.

Elas são-nos impostas naturalmente e por outros meios, não achando portanto que se justifiquem. Temos o exemplo do mero, que nos Açores pode ser capturado por todos os meios e sem limites, salvo em pesca submarina! O mero, ícone do pescador submarino, todavia sensível nestas paragens, deveria estar sujeito a limitação de tamanho, quotas e licença específica, que simultâneamente o protegesse e gerasse a mais-valia económica que seria investida na sua protecção e na região. Seria justo e sensato… mas, são-no os homens?

A comparação entre pesca lúdica e a profissional, em termos económicos também não merece a minha concordância. A pesca comercial intensiva e de grande volume, está em declínio – causada pelos seus próprios excessos – tendo de ser reconvertida para a aquicultura.

Falando agora da pesca artesanal, pois essa só tem a ganhar com a pesca lúdica e a ela pode e deve aliar-se como forma de subsistência quer da tradição quer da actividade em si. É uma visão de marketing estratégico e de sustentabilidade, para que as competências deveriam virar-se. Compará-las do modo, digamos sócio-político, como o fez (ponderar entre o peso da pesca desportiva e a de quem tem família para sustentar), é mais do que uma falácia, um erro, e, poderei sempre retorquir que nesse contexto corremos o risco de as poderosas associações de agricultores e da Distribuição, pegarem no tema e pressionarem no sentido serem interditadas as hortas particulares de subsistência de feijão, batatas e couves; criar galinhas ou engordar o porco familiares e até ter uma simples ameixeira no quintal… cedendo a um corporativismo exacerbado que depois cedendo aos sindicatos e lóbis nos impeça futuramente de fazer reparações e as limpezas domésticas, lavar a própria roupa e até quem sabe…cozinhar em casa ! (Aqui, o Pedro Manaças dá um salto na cadeira!)

Rematando esta primeira parte, concluo dizendo que a actividade cinegética terrestre, está de facto bem adiantada em alguns destes assuntos e dela haveria muita coisa a copiar, começando na ligação à investigação científica, mas sobretudo como actividade económica e de sustentabilidade do Mundo Rural, do Meio Ambiente e Biodiversidade, que finalmente vem a ser reconhecida. Como exemplo deste pragmatismo, o facto de ter desenvolvido dois módulos sobre os temas “Ética Empresarial” e “Marketing Aplicado à Actividade Cinegética” que foram incluídos no curso de formação profissional em Gestão Cinegética ministrados pela CAP e ANPC. Assim fosse entre as actividades subaquáticas – pesca submarina incluída – e o Mundo Litoral e da Pesca!

Guardo para o final aquilo porque Frederico Cardigos inicia a sua reflexão, e, porque me parece justamente assunto da maior importância., que classifica “de algibeira”, mas é parte integrante da caça, como de qualquer actividade humana, por definição e efeito: - A filosofia da caça!

Pensar a Caça, é o que faço desde há muito e cada vez mais, como ser pensante que sou e o que tantas vezes aqui tenho trazido, seja em artigos técnicos, histórias ou artigos de viagens. Eu sei perfeitamente porque caço!

Não caço para comer – isso faz o leão –, nem caço por instinto – isso fazem os meus cães –, eu caço em consciência! A minha “área cinzenta”, há muito que neste campo desapareceu, porque sei cada vez mais e melhor porque é que caço; ao fim de tanto tempo, tantos lugares, tantos peixes… mas continuo a filosofar sobre a caça, as minhas motivações, sobre aquilo que vejo e sinto, ainda e sempre, as sensações renovadas em cada jornada, sempre na expectativa do que vou ver, sentir, do que vai acontecer…do que está para além.

Penso também na morte, claro, eu sou caçador e como tal convivo com ela, inflijo-a e o assumo… mas também sei e cada vez com mais segurança que não gosto de matar, que a morte dos seres que caço não é o meu objectivo, mas sim a forma de atingir uma finalidade implícita ao caçador:

- A sua posse! Só assim me apodero deles fisicamente, os apreso !

Vê-los, guardar a sua imagem num papel, não me basta…porque eu sou um caçador!

Matar é uma consequência da caça, faz parte do processo como faz parte da vida. Mas não se resume a tal, o que é uma confusão comum entre os não-caçadores, que só conhecem a morte como sendo fruto do ódio e da violência. Eu pergunto então:

- Se o caçador mata por prazer, qual é a motivação dos amantes dos animais? Ter sexo com eles? É que na mesma linha do absurdo e do desconhecimento, o amor só se justifica com o acto sexual…

A que nível vamos colocar S. Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá, Gandhi ou João Paulo II? Como pessoas que amaram intensamente… de tarados sexuais?

E Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, Hemingway ou Manuel Alegre? Porque caçadores apaixonados… sádicos sanguinários?

Sucede que a morte para quem a entende, e mesmo para a ciência, não é o fim e sim uma passagem:

- Uma planta ou animal, morrendo vão incorporar outros e passar a viver neles, e por aí adiante, perpetuando-se como a própria Natureza que é infinita, e se mantém assim a vida. Em todos os estratos e em todas as formas de vida há caçadores e presas e transferência de energia, no plano físico ou noutro – caso do troféu! O Caçador faz disso

um acto de veneração, sendo a Natureza o seu altar.

“ Quando matardes um animal, dizei-lhe com todo o coração:

- Pelo mesmo poder com que te abato, também eu sou abatido; e também eu serei consumido. Porque a lei que te entregou nas minhas mãos me irá entregar a uma lei mais poderosa. O teu sangue e o meu sangue mais não são do que a seiva que alimenta a árvore do céu.”

(Kahlil Gibran)

Não é por acaso que a caça é indissolúvel da gastronomia (agora o Manaças respira fundo…), por tradição, quem sabe se por via de uma sabedoria infinitamente superior que transformou bichos-homens em seres humanos. Simples animais que eram presas de outros, mas alijando essa condição se ergueram primeiro como predadores e depois se tornaram homens. É essa passagem que o caçador celebra ainda hoje quando sai para a Natureza de arma na mão, integrando-se nela em acto de caça, em glória de predador, algo que o passeante de cajado ou máquina fotográfica, não pode experimentar:

- A suprema liberdade de não temer, porque já não é presa!

Não sei que liberdade Frederico Cardigos sentirá quando sai para o mar, para um mergulho, mas será talvez diversa da minha, em intensidade e abrangência. O que me leva a ir caçar, por prazer não obrigação, em dias de mar mau, água batida, suja e fria, mesmo sem peixe, a vencer condições muito adversas? Será porque como digo, conhecendo as razões, eu serei mais consciente e motivado? Interessante questão, não tão fácil de responder…sobretudo para o homem moderno, fruto de gerações de condicionalismos, barreiras ideológicas e desvios vários que o afastaram sempre da Natureza, a que ciclicamente pretende voltar.

Nós Caçadores mantivemos essa ligação e a sabedoria da natureza, talvez hermética…pouco divulgada é certo… mas ela existe e ganharemos todos com a sua divulgação. Não vivemos na era da comunicação? E da comunicação nascem a tolerância e o entendimento, sublimes patamares do desenvolvimento da humanidade, seu apanágio, pura utopia como é também seu exclusivo.

O grande lírio que o Frederico Cardigos matou, navegou sem dúvida pelo azul, ao encontro do seu destino – como nós…- matando e comendo muitos outros peixes!

Quando o olhou nos olhos, não houve excitação…houve sim avaliação sobre o que você era: - Uma presa ou um competidor? Refeição ou ameaça?

Apenas isto, análise fria de um peixe-predador e não de um ser provido de sentimentos, o que um cientista sabe…um prosaico, como eu, pode permitir-se a divagações… o cientista não crê na alma, porquê sugerir que os bichos a têm?

Mas a verdade é esta, faz parte da incompreensão e é onde mais falha a argumentação contra a caça: - A atribuição de sentimentos ou estados de alma aos animais, que eles não possuem nem podem possuir, ou teriam como nós deixado de ser animais para se tornarem humanos! E falamos de animais selvagens, peixes neste caso…

O resultado é que tantos homens, confundindo esses sentimentos, numa exacerbação ou fanatismo tratam os animais como gente, e outros, gente como os animais!

Um pouco de poesia é parte da nossa condição de humanos. Uma parte de racionalismo também! Ambas são o sal e a pimenta da ideia.

Saibamos doseá-las, admiremos aos peixes magníficos que andam nos mares, extasiemo-nos com as sensações grandiosas que nos transmitem, saibamos vivê-las, recolhê-las e analisá-las ao nível do consciente. Sejamos homens, não animais.

Um grande abraço de apreço pelo seu magnífico trabalho e pela sua postura, honesta de quem fez pesca submarina e não gostou, que acredita no que faz e divulga – a Ciência!

Saúdo-o Dr. Frederico Cardigos!

Como complemento a esta dissertação – que não passa disso mesmo - , porque noutros lugares e tempos, houve autores que se dedicassem muito mais e melhor aos temas que aqui abordo, para quem queira ir mais além, vos sugiro a leitura de:

Internet : no site www.santohuberto.com , no lado direito da página de abertura e correndo o rato para baixo, encontrarão a tema “OPINIÃO”, e, dentre os 5 mais visualizados : “ A CAÇA NO SEC.XXI – UMA ATITUDE COM SENTIDO”.

Penso que trata este tema de modo alargado e dá boas pistas a quem queira reflectir nos porquês daquilo que faz, ou que outros fazem.

Livros : Kahlil Gibran – “O Profeta” – aconselho vivamente ! Uma sábia visão de questões entre as quais a da morte e da incorporação via alimento.

José Ortega y Gasset – “Sobre la caza y los toros”– Imprescindível! Uma análise filosófica da caça e suas motivações.

António Luiz Pacheco

RESPOSTA:

Que bom que é vivermos num canto do mundo em que todos podemos expressar civilizadamente a nossa opinião, de uma forma entusiasta, aberta e honesta, para tentarmos encontrar as melhores soluções em relação a problemas complexos. E é tão bom podemos discordar, num franco elogio à diversidade e à complexidade humana, sem receio de incompreensão extremista. Penso que não há hipótese de discutir quando se extremam posições. Ficamos apenas com um amargo de boca e não se chega a falar de nada.

Correndo o risco de repetir o que já aqui foi dito por mim, no artigo em causa e pelas respostas ao mesmo, gostava, no entanto, de aproveitar para acrescentar uns pontos, reforçar algumas das afirmações e discordar de outras.

Sim. Não apenas eu, mas os biólogos em geral, como humanos que somos, também temos sentimentos. É um facto científico do qual não abdico.

No meu artigo não comparei a caça com qualquer outra actividade extractiva. O desafio era escrever sobre caça, o que fiz. Não esperava ser consensual e é natural que muitos estejam contra a minha forma de pensar. Isso não faz mal. Não sou um político por isso não tenho que me preocupar com a consensualidade bacoca. Sou um cientista, apenas me tenho que preocupar com a verdade e, de um ponto de vista mais filosófico, com o Bem.

Não tenham dúvidas que tudo o que afirmei se baseia em ciência ou em sentimentos, mas esses, penso eu, estão claramente identificados. Ou seja, a caça-submarina tem impacto ambiental, há regras que não são respeitadas e há regras que deviam estar implementadas e não estão. Recomendo a leitura da documentação que a unidade de investigação em que trabalho tem escrito sobre áreas marinhas protegidas e mesmo sobre a caça nos Açores. Verão que há "quilos" de artigos e relatórios (está quase tudo na internet) assentes em "toneladas" de trabalho de campo. Posso garantir, porque eu participei. O Director desta revista também sabe porque acompanhou parte do trabalho.

Em resposta ao Nuno Rosado informo que há, pelo menos, dois navios que passam grande parte do ano a pescar para fazer a avaliação dos mananciais de pescado de Portugal. Verifiquem o que fazem o N/I "Arquipélago" e o N/I "Noruega". Não têm é a sorte de ter equpas de televisão a bordo a fazer o registo dos trabalhos... Mas esta é apenas uma das técnicas. Há outras e em Portugal aplicam-se quase todas. As decisões até podem ser mal tomadas por incapacidade ou falta de coragem do decisor ou por o desenho científico ser pouco abrangente (quando não há dinheiro…), mas não o são, certamente, por falta de trabalho cientifíco subjacente ou interesse da comunidade ligada a esta área (sim, não podemos esquecer os técnicos e tripulações).

A caça submarina tem impacto ambiental. Evidentemente que tem menos que outras actividades e, dentro das actividades extractivas recreativas, é das que têm menos impacto, mas tem! E se for praticada de forma desregrada tem-no ainda mais. Como dizia no meu artigo, e penso que concordarão comigo, até que haja formação ou certificação dos caçadores, declaração de áreas marinhas protegidas e fiscalização eficiente, não faz sentido falar-se em reduzir as restrições à caça. Seja a regra dos cinco peixes ou a lei do mero nos Açores, ou a regulamentação existente no Continente. Os passos são sequenciais e os primeiros têm de estar orientados no sentido de proteger redundantemente a natureza. É a minha perspectiva. É evidente que as Áreas Marinhas Protegidas (AMP) são necessárias e é evidente que tem de haver regras nas actividades extractivas e é evidente que a implementação de ambas deve ser feita em conjunto com os utilizadores (ou seja, também com os caçadores-submarinos). Estas são afirmações indiscutíveis. Há alguns destes pontos que estão a falhar na implementação de novas regras no Continente de Portugal. Concordo, mas penso, e corrijam-me se estiver enganado, que até ao momento não há uma associação de caçadores submarinos, pois não? Então como querem ser ouvidos enquanto interlocutores se nem sequer estão organizados?

Parece-me também que se deveria tentar definir o que é um caçador submarino. Será que o fulano que utiliza garrafas, vende o pescado e não sabe o que apanha deveria ser chamado de “caçador submarino”? Onde estão as fronteiras? O António Luiz Pacheco descreve a aquilo que na sua perspectiva são os caçadores, mas será esse o perfil do caçador médio em Portugal? Tenho as maiores dúvidas e os inquéritos que temos realizado não apontam nesse sentido. Empiricamente, para mim, o caçador médio é um jovem, do sexo masculino, iletrado em termos de mar, que se ajeita em apneias mais ou menos longas e cujo o sonho é capturar o pescado suficiente para vender no restaurante mais próximo. Estarei errado?

Não acredito na simplificação que é feita em relação à pesca industrial. Evidentemente que há pescarias insustentáveis, mas há outras que convivem bem com o ambiente. Desde que assente em boa planificação científica, utilizando modelos estatísticos precaucionários e com redundância ecológica (como as áreas marinhas protegidas) é perfeitamente possível conciliar a pesca industrial com o ambiente. Infelizmente, os políticos europeus (ou quem os elege) ainda não entenderam isso. Concordo que a aquacultura deverá crescer nos próximos anos, mas não creio que seja a solução para todos os problemas. Penso que será apenas mais uma oportunidade de produzir, neste caso pescado. No entanto, mais uma vez, há que estudar o impacto ambiental da aquacultura. Estas estruturas têm o poder poluente equivalente a uma qualquer unidade fabril.

Sobre a prioritização das actividades admito que não entendo muito bem o raciocínio. Considero que, entre praticar-se uma actividade por desporto ou fazê-la profissionalmente, em caso de conflito, tem de haver uma hierarquização. O mesmo Princípio se aplica noutras áreas como seja a Observação de Cetáceos. Os Observadores profissionais têm prioridade sobre os lúdicos e isso não causa qualquer drama ou sequer controvérsia.

Agradeço ao António Luiz Pacheco (proponho que eu passe a “Frederico”, é tão mais simples) a franqueza com que abordou a sua aproximação à caça. Não sei se muita gente teria a sua frontalidade. A justificação filosófica da caça é muito complexa e, na minha opinião, fica ao critério de cada um a forma como a aborda. Para mim a caça é simplesmente e friamente um instrumento metodológico para a obtenção de informação. Por vezes, quando, após a recolha dos dados, o pescado ainda está em condições, ele é utilizado para a alimentação (por mim, pelos colegas ou é dado a uma instituição de caridade). Não sinto qualquer prazer em matar. Quanto disparo o arpão, movimento a rede, puxo o anzol ou apanho o crustáceo, sinto pena do animal cuja a vida irá terminar. Isto é o que sinto. Apesar das palavras entusiastas e apaixonadas do António Luiz Pacheco, não entendo porque será a fotografia insuficiente, mas não tenho de entender tudo e respeito totalmente quem pensa de forma diferente.

Para mim, a diferença entre o homem e os outros animais é ténue, sendo muito maiores as semelhanças e as interdependências do que os contrastes. A diferença estará alojada na “consciência do conhecimento adquirido e na “existência de ética”? Os conceitos não são meus, mas parecem-me bem. Portanto, considero que sim, os animais sentem e, portanto, não lhes devo infligir dor gratuitamente. Mas, reforço, esta é a minha perspectiva e ninguém tem de pensar como eu.

De facto, o mar é enorme, cheio de aventuras e belezas. Penso que todos nós estamos ao lado da sua defesa e, como me dizia o Luís Quinta no outro dia, “temos de encontrar as plataformas de entendimento que permitam a sua conservação e a sua utilização adequada”. Não poderia estar mais de acordo. Vamos falando, cheios de interesse e muita daquela emoção que apenas se permite aos apaixonados. Paixão de mar!