domingo, 26 de dezembro de 2004

Wangari Maathai


Propositadamente, não escrevi sobre este tema no mês passado. Como toda a gente sabe, uma notícia só fica na memória das pessoas durante, para aí, uma semana. Dada a enorme quantidade de informação que circula pelo éter é impossível ter memória suficiente para mais do que esse período. A única forma de garantir que um determinado tema se mantém na agenda durante mais tempo é relembrá-lo mais tarde. Sendo assim, aqui estou eu a dar a notícia em enésima mão: o prémio Nobel da paz foi atribuído este ano a uma ambientalista! É um prémio original por diversas razões, entre elas, por ser atribuído a uma mulher africana! É comum nos prémios Nobel, mas falha algumas vezes e por isso tem de ser referido: este prémio foi merecido.
Wangari Maathai é o nome da investigadora, ambientalista e activista social a quem foi atribuído o prémio Nobel da paz em 2004. O trabalho da laureada foi mais além do que a simples protecção do ambiente existente, ela fortaleceu o desenvolvimento ambientalmente sustentável através de organizações como o Green Belt Movement. Este movimento é responsável, por exemplo, pela plantação de 30 milhões de árvores, utilizando métodos que estão neste momento a servir de base para outras iniciativas. A ligação entre a política, o cidadão (e a família) e o ambiente, tão simples e, no entanto, tantas vezes ignorada, tem sido o alicerce do seu sucesso. Entre os métodos utilizados contam-se a educação, o planeamento familiar, a alimentação e a luta contra a corrupção. “Ela representa um exemplo e uma fonte de inspiração para toda a gente que, em África, luta pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia e pela paz”.
Não deve ser nada fácil para uma mulher africana, mas Wangari Maathai é Licenciada e Mestre em Veterinária, conseguiu obter o grau de Doutora (a primeira no Centro e Este de África), é Directora de um Departamento Universitário (a primeira no seu país), é Deputada e é a Ministra do Ambiente, Recursos Naturais e Vida Selvagem do Quénia. A título de curiosidade refira-se que o seu marido, com quem teve três filhos, divorciou-se dela, nos anos 80, com a argumentação que de que Wangari Maathai era “demasiado educada, demasiado forte, tinha demasiado sucesso, era demasiado teimosa e demasiado difícil de controlar”, em resumo, um exemplo para todos nós.
Talvez, tão importante como o próprio prémio foi a argumentação, cuja leitura se aconselha entusiasticamente (em: http://nobelprize.org/peace/laureates/2004/press.html), que começa pela importante frase: “A paz na Terra depende da nossa habilidade para assegurar um ambiente saudável”. Fica assim reconhecido que para se alcançar a paz é necessário existir um meio ambiente saudável e que, por outro lado, caso este não exista estaremos a meio caminho para a hostilidade.
Inspirado por este prémio, resolvi dar uma olhada nos prémios e motivos das atribuições anteriores. Claro que o nosso destaque vai para D. Ximenes Bello e Ramos Horta, mas a galeria de laureados inclui enormes personalidades do nosso tempo como Martin Luther King, Jimmy Carter, Koffi Anan, Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela, Fredrik de Klerk, Mikhail Gorbatchev, Tenzin Gyatso (mais conhecido por Dalai Lama), Desmond Tutu, Andrei Shakarov ou Albert Schweitzer. Este prémio já foi atribuído a diversas instituições de mérito como as Nações Unidas, a Cruz Vermelha Internacional ou os Médicos sem Fronteiras. Na minha opinião, a Comissão Nobel cometeu enormes “gaffes”. Entre esses erros, o que me parece mais escandaloso foi a atribuição do prémio a Henry Kissinger...
Espero que este prémio não iniba o avanço da ideia de atribuir o prémio Nobel da Paz de 2005 a mil mulheres. Poderá encontrar mais detalhes sobre este interessantíssimo projecto emhttp://www.1000peacewomen.org/. Nele é enfatizada a ideia que por trás de cada conflito, de cada problema e de cada solução, estão mulheres de enorme coragem, inteligência e imaginação que, por vivermos num mundo eminentemente masculino, acabam por não ter o protagonismo e reconhecimento que merecem. Tal como para todas as mulheres e homens deste planeta que lutam pelo bem e pela justiça, desejo as melhores felicidades para este projecto.

Publicado na coluna "Casa-Alugada" da Revista Mundo Submerso

terça-feira, 21 de dezembro de 2004

As Lulas

O primeiro artigo científico do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores foi publicado por Helen Rost Martins em 1982. Este trabalho tinha por título Biological studies of the exploited stock of Loligo forbesi (Mollusca: Cephalopoda) in the Azores, ou seja, estudos sobre a biologia do manancial explorado de lulas nos Açores. Foi publicado na revista internacional Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom e tem vários méritos. O primeiro é, obviamente, ter colocado o DOP entre os seus pares internacionais, gerando o reconhecimento pelo bom trabalho que aqui se fazia. Evidentemente que numa perspectiva institucional e de estratégia a longo-prazo isto é deveras importante. Provavelmente este artigo ficará mais conhecido por isso do que pela sua verdadeira razão de existir: “as lulas”.

Nos Açores existem dezenas de espécies de lulas. Infelizmente, apenas uma reúne o conjunto de condições necessárias para ser explorável. Trata-se da lula-mansa ou Loligo forbesi em nomenclatura científica. As outras espécies ou vivem demasiado fundo, ou não são apropriadas para a alimentação humana, ou possuem uma viscosidade tão baixa que não podem ser capturadas por qualquer método de pesca (têm uma consistência parecida com a gelatina) ou não se agregam em densidades que justifiquem o esforço económico de as explorar. Este conjunto de razões faz com que a única espécie interessante para a pesca dos Açores seja também a única que não faz parte da dieta dos grandes cetáceos, como os cachalotes. E assim cai por terra um dos argumentos utilizados para justificar o regresso à caça do cachalote: a competição entre os humanos e os cetáceos. É que não há qualquer interferência entre a dieta destes grandes cetáceos e as espécies alvo dos pescadores, incluindo as lulas. De acordo com os trabalhos de Malcolm Clarke, Helen Martins e outros, os cachalotes alimentam-se de, pelo menos, 40 espécies cefalópodes (lulas e polvos), mas de espécies que estão bem longe dos olhares ou interesses humanos, como seja a Architeuthis, a famosa lula-gigante, que vive a mil metros de profundidade e pode atingir cerca de duas dezenas de metros de comprimento, ou o Haliphron atlanticus, polvo-gelatinoso, cujo o nome comum diz tudo em relação à sua consistência.

A lula-mansa, aquela que é explorada pelos pescadores dos Açores, tem um manancial extremamente dinâmico, ou seja, as quantidades disponíveis para a pesca aumentam e diminuem de uma forma radical de ano para ano. Em certos anos as lulas foram dos recursos mais importantes nas descargas dos Açores, mas, em outras épocas existem em número tão reduzido que nem se justifica a saída para o mar. Este facto exaspera os pescadores. A pesca é já de si uma actividade com enormes variações de acordo com factores independentes do pescador como sejam as condições meteorológicas, as correntes ou a sorte. No caso das lulas estes factores aleatórios são ainda mais importantes porque a própria quantidade de lulas é extraordinariamente variável de acordo com diversos factores oceanográficos. Isto acontece porque as lulas só têm um ciclo reprodutor (depois de se reproduzirem uma vez, morrem) ou, dito de outra forma, “os filhos nunca encontram os pais”. Num ano em que o recrutamento falha compromete-se toda a população mesmo para os anos subsequentes.

No DOP tentaram-se fazer previsões dos mananciais, de acordo com os factores oceanográficos conhecidos, mas os resultados não se mostraram suficientemente robustos. De facto, ainda não sabemos prever se 2005 será um bom ano de lulas, ou não. Temos que estudar mais. Poderá também haver uma interacção entre as espécies exploradas e as não exploradas que ainda não descortinámos. Esta mistura entre a procura e a frustração de ainda não ter encontrado a resposta é também motivadora e aumenta o nosso empenho.

Durante algum tempo no DOP mantivemos lulas em cativeiro. Estes animais serviram para efectuar diversas experiências que se traduziram em cerca de uma dezena de artigos científicos. Para além da utilidade para o próprio avançar do conhecimento relativo a esta espécie, pudemos constatar que se tratam, de facto, de animais extremamente sensíveis. Quando, involuntariamente, se variava a temperatura ou se aumentava a salinidade era certo que as lulas tinham um comportamento completamente diferente, causando mesmo, por vezes, baixas. Por outro lado, pudemos compreender, entre outras coisas, como estes animais são capazes de se orientar no escuro quase absoluto, como capturam as suas presas e como comunicam entre si (trabalhos conduzidos por Filipe Porteiro, João Gonçalves e outros colegas).

Longe de estar terminado, o estudo das lulas dos Açores ainda vai a meio. Ao contrário de outros anos, neste momento não há financiamentos substanciais para o estudo deste grupo de animais. Por essa razão não se podem esperar resultados para breve, mas, com a velocidade que os nossos recursos nos permitem, iremos continuar a tentar compreender o maravilhoso mundo das lulas.