sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Trópicos Açoreanos


Quando entramos dentro de água, numa área onde já mergulhámos dezenas de vezes, e algo que não encaixa no quotidiano local, significa que qualquer coisa está mal. Se consultarmos os Manuais de mergulho eles dirão: “suba, respire fundo e decida sobre a continuação ou não do mergulho. Caso tenha dúvidas, aborte a imersão.” Absolutamente de acordo. Mas naquele dia, em que mergulhava no local conhecido pelo nome de código como “Secret Spot - Faial B”, e em que pela primeira vez utilizava ar enriquecido em oxigénio, achei que não; algo estava mal, mas resolvi não subir. Insisti em tentar perceber o que não encaixava. Rodei o corpo 360º em busca da incoerência. Passados alguns segundos, lá estava. Tinha à minha frente um peixe estritamente tropical. Sinal de alarme! Um peixe tropical nos mares dos Açores!! Agora o manual estava ao rubro: “suba”! “SUBA!” A pressão parcial do Oxigénio estava certamente a fazer das suas. Estupidamente, insisti novamente, tinha de identificar a espécie. Olhei com mais cuidado. Corpo espalmado, com forma quase quadrangular, branco, lista preta à frente, lista preta atrás. Chaetodon sedentarius! Estava na frente de um verdadeiro Chaetodon sedentarius de nome comum peixe-borboleta-dos-recifes. Esbracejei em direcção aos meus colegas de mergulho, tentando chamar-lhes a atenção para a minha descoberta (ou loucura...). Ninguém me ligou. Nadei até ao colega mais próximo, toquei-lhe no braço, apontei para o peixe... mas... o peixe já se tinha escondido. Verme! Como é possível? Nadei novamente na direcção onde o tinha visto pela última vez, esperei um pouco e lá estava ele. Olhei para os meus colegas, mas já estavam todos embevecidos com as curiosidades reconhecidas deste secret spot. Desesperei... Devia estar, definitivamente, a ter uma alucinação. Estava no momento de subir e cumprir as regras de segurança descritas no Manual. “Se algo não parece bem é porque está mal”, recordei. Entristecido, recusei olhar mais na direcção daquela ilusão óptica. Arrumei a máquina fotográfica, e dirigi-me para o cabo de mergulho. Quando estava a ir nessa direcção, notei alguma agitação. Voltei-me. Para meu espanto todos os meus colegas esbracejavam na minha direcção, “saltando” de excitação, pela “descoberta” do MEU Chaetodon sedentarius. O lado positivo é que não estava intoxicado pelo Oxigénio, nem pelo Azoto, e, estava mesmo um peixe-borboleta a passear-se pelas águas do Faial. Aproveitei o encurralar fornecido pelos meus colegas e tirei uma ou duas fotos.
Não é a primeira vez que este peixe é avistado nos Açores. No final dos anos 90, perto do Redondo da Doca da Horta, já o Jorge Fontes tinha registado esta ocorrência. Nesse período, hordas de mergulhadores revezaram-se para ver o animal até que este, provavelmente farto de não ter privacidade, desapareceu. Agora, vários anos depois, temos um novo exemplar. Será para ficar? Como cá chegou? Será o primeiro de uma nova população? A sua aparição estará relacionada com as mudanças globais ou terá sido um iatista oriundo da República Dominicana que resolveu mudar a água do aquário? É tão bom ser biólogo marinho! Temos sempre imensos enigmas para resolver, basta ir para dentro de água.
Publicado na coluna "Casa-Alugada" da Revista Mundo Submerso

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