sábado, 26 de junho de 2004

Será aquilo uma luz ao fundo do túnel?

É tão óbvio que maltratar os cientistas é danoso para a Sociedade que o Estado Francês, através do seu novo Governo, cedeu às pretensões dos investigadores. Cerca de 1500 novas vagas irão ser criadas nos quadros das instituições de pesquisa e universidades. Com este passo, espera-se que acabem parte dos contratos a prazo e se dignifique a carreira de investigador. Esta é a situação em França, que espera assim, em simultâneo, acalmar a ira dos investigadores e reduzir o seu fluxo em direcção aos Estados Unidos (como referi num artigo anterior cerca de 400 mil investigadores europeus trabalham nos EUA).

Em Portugal o quadro é um pouco diferente. A investigação efectuada pelos investigadores mais jovens faz-se através de bolsas e não se vislumbra o final desta tendência. Bolsas e mais bolsas, foi a forma encontrada pelo Estado Português para financiar a investigação. Hoje já não é apenas a investigação, é também todo o pessoal técnico com grau superior à licenciatura que “beneficia” do estatuto de bolseiro. Toda a gente sabe disso, mas parecem esconder a cabeça na areia, esquecendo-se, como a avestruz, que o corpo está do lado de fora. A difícil situação dos jovens licenciados deve-se a um conjunto de factores, em que os mais evidentes são: falta de emprego condigno e falta de financiamento às instituições de investigação.

Um recém-licenciado em biologia marinha dificilmente terá emprego na iniciativa privada. Por um lado é demasiado especializado para a maioria dos empregos e, por outro, não possui as qualificações básicas para poder exercer a sua actividade nas profissões mais óbvias. Exemplifiquemos: um biólogo marinho deveria estar apto a conduzir uma embarcação ou a mergulhar, mas a Universidade não o qualifica para isso, portanto, todos os empregos relacionados com actividade turística estar-lhe-ão vedados.

Por outro lado, nenhuma empresa irá empregar biólogos-marinhos recém-licenciados sem experiência. Na melhor das hipóteses podem-nos empregar a recibos verdes.

Resta-lhes o ensino ou a investigação. Para o ensino não servem porque as Universidades não lhes dão as cadeiras ditas “pedagógicas”. Terão de tirar um curso específico, chamado de “formação de formadores” e que é uma mina para extorquir dinheiro à Comissão Europeia. Toda a gente sabe... Com a tal “formação de formadores” poderão dar aulas no ensino privado ou semi-privado, como as escolas profissionais. Inexplicavelmente, as Universidades, apesar deste ser um curso de pouquíssimas horas, não o leccionam. Quem ganha comisto? Os formadores e as empresas de formação profissional, claro está. O Estado, vendo que esta é mais uma forma de ganhar dinheiro com a Comissão Europeia, fecha os olhos. Os prejudicados: os do costume.

Por fim, temos a investigação. As instituições de investigação não têm dinheiro e têm falta de recursos humanos, os humanos têm falta de emprego. Como o Estado tem falta de investigadores criou um estatuto de bolseiro que mais não é do que uma forma de explorar mão de obra barata. Um bolseiro ganha 12 meses por ano, não tem contrato superior a três anos (sendo a média de um ano), tem uma segurança social desonesta (desconta como se ganhasse o salário mínimo) e não tem férias ou horário de trabalho. Os objectivos na criação deste estatuto eram nobres: estimular o crescimento na área da investigação em Portugal, graças às “facilidades” dadas aos empregadores, e obrigar os bolseiros a obter as suas qualificações tão rapidamente quanto possível, para passarem para os quadros das instituições e saírem daquele estatuto. Simplesmente, e como o Estado não tem dinheiro, começou a apoiar-se fortemente nestes recursos para efectuar pesquisa científica. Hoje em dia um recém-licenciado pode passar por: bolseiro de iniciação à investigação científica, bolseiro de investigação, bolseiro de mestrado (apenas no segundo ano deste grau), bolseiro de doutoramento, bolseiro de pós-doutoramento e, finalmente, cientista convidado. Os valores destas bolsas variam desde 565 euros (para não licenciados) até 2650 euros (para cientistas convidados). Uma autentica carreira de subemprego. Quando o Estado compreendeu as vantagens que teria em alargar a utilização desta ferramenta começou a aceitar que os próprios técnicos das instituições de investigação tivessem este estatuto.

Na área da biologia-marinha a situação é suficientemente desesperada para que as pessoas aceitem esta condição de subemprego. No entanto, na área das engenharias ou medicina não é assim. Há outras soluções, que passam pelo emprego na iniciativa privada ou a emigração. Agora, digam-me o que escolherá um potencial investigador nestas áreas: trabalhar para o Estado ou optar pelas alternativas? Seria preciso ter muito “amor à camisola”.

Recentemente, uma força partidária apresentou uma proposta no Parlamento para que o estatuto do bolseiro fosse alterado. Talvez por a proposta ser do Partido Comunista, a maioria já afirmou que irá apresentar uma proposta própria... lá para Setembro. Assim, Portugal não vai lá... O Governo, por sua vez, anunciou a criação de 5000 novos lugares de investigadores, novos financiamentos para as instituições de investigação e um estímulo especial para que os melhores cientistas internacionais possam equacionar a hipótese de se instalarem em Portugal. Tanto as ideias do Partido Comunista como as do Governo são boas e demonstram claramente que a Administração, nomeadamente o Ministério da Ciência e Ensino Superior, está consciente dos problemas. Resta saber se os políticos se irão torpedear na partidaríte aguda que caracteriza Portugal ou farão algo de construtivo e duradouro.

Outro problema é a “forma”. Será que irão adoptar a forma das bolsas ou a forma dos contratos honestos? Caso se opte pelos contratos honestos relembro que deverá ser feita uma avaliação séria e regular da actuação dos investigadores. Não podemos cair novamente no exagero de não avaliar os quadros da função pública. Isso iria inevitavelmente criar mais “tachos” como vemos em algumas instituições de investigação pública. No caso da investigação científica os métodos de avaliação são claros e simples, basta aplicá-los corajosamente.

Notas: alguns dos factos mencionados foram consultados no jornal “Público” (http://jornal.publico.pt/publico/2004/04/09/Ciencias/H03.html ehttp://ultimahora.publico.pt/shownews.asp?id=1191970&idCanal=12).


Publicado na coluna "Casa-Alugada"