quinta-feira, 2 de outubro de 2003

Bolhas e Jamantas no Meio do Atlântico

Graças ao Dr. Francisco Maduro Dias cruzei-me com a obra de D. Vicente Tofiño. Este nobre, foi encarregue no século XVIII por sua majestade o Rei de Espanha de fazer um Roteiro do Mar para utilização pela Marinha do seu país. Segundo se pode ler nesta obra e citando o Comandante Boufon: “No dia 10 de Outubro de 1720 começou uma violenta erupção entre as ilhas de S. Miguel e Terceira, acompanhada de sismos, que deu origem a uma pequena ilha”. De acordo com os relatos do arqueólogo Paulo Monteiro, os dois anos em que a Ilha existiu, infelizmente, foram suficientes para que um Corsário Francês colidisse o seu navio e se afundasse dramaticamente; embora o navio em causa não fosse propriamente uma “flor” – acabava de voltar do Rio de Janeiro onde havia saqueado aquela cidade. Segundo me relatou o Professor Vítor Hugo Forjaz, baseado em documentação da época, este período foi também suficiente para que um padre jesuíta que visitava os Açores tomasse posse do local, chegando mesmo a tentar vendê-lo posteriormente no Brasil. Depois destes dois anos de tempestades, erosão, abrasão, afundamento e aldrabice, “a Ilha foi destruída por completo”, tal como consta na informação de 21 de Julho de 1722 enviada ao Conselho da Marinha. Tanto quanto sei, esta ilhota, enquanto existiu, não chegou a ter nome.

Depois, a zona manteve-se misteriosamente “desaparecida” até 28 de Julho de 1941. Nesta data, o Navio Oceanográfico D. João de Castro, comandado pelo Capitão-Tenente Albano Rodrigues de Oliveira, que fazia o levantamento topográfico da área, descobriu o Banco e nomeou-o, de acordo com as tradições da marinha, com o nome da sua embarcação. Sobre as montanhas submarinas dos Açores o Almirante Sarmento Rodrigues em 1970 escreveu “(...) de todas elas a mais notável é o Banco D. João de Castro (...)”

Hoje no meio do mar, o Banco D. João de Castro emerge dos 1000 metros com a forma de um cone quase perfeito. No topo deste cone, a cerca dos 50 metros de profundidade, há uma plataforma de pendor suave e arenoso. Este planalto é interrompido, perto do centro, pelo que resta de uma cratera. Esta cratera dispõe-se por uma área com cerca de 600 por 300 metros e tem o seu mínimo de profundidade aos 13 metros. Ou seja, no meio do mar, mesmo entre as Ilhas de São Miguel e Terceira temos uma pequena área com 13 metros de profundidade! Nem era necessário lá ir para que qualquer biólogo imediatamente adivinhasse a importância que este local pode ter na transferência de informação genética de organismos do litoral entre o Grupo Oriental e Central dos Açores. Por outro lado, dada a sua pequenez e tenra idade, este banco tem uma enorme fragilidade. Qualquer agente perturbador (como a sobre-exploração ou poluição) poderá causar a nível local pequenas e mesmo grandes catástrofes ecológicas. O D. João de Castro tem ainda uma outra característica, preciosa para biólogos e geólogos: “vulcanismo activo!”

Para conhecer a bionomia (distribuição das espécies) e estudar as relações ecológicas com este vulcanismo, o Departamento de Oceanografia e Pescas partiu pela primeira vez em direcção ao Banco D. João de Castro já vai para uma dezena de anos. Agora, em missões anuais, vamos construindo lentamente o puzzle que um dia mostrará um retrato fiel da teia de relações e reacções desta e outras áreas. Embora eu não tenha integrado as equipas do DOP desde o início, já reconheço o Caldeirão das Bolhas, a Avenida das Bolhas, a Avenida dos Ratões, a zona Branca e a zona Amarela. Uma geografia construída a partir das observações de anos de trabalho constante. Esta geografia, aparentemente sem grandes alterações do ponto de vista de um biólogo, está prestes a metamorfosear-se novamente segundo os geólogos. O Banco D. João de Castro espreita-nos como um “barómetro vulcanológico” dos Açores.

Enquanto a ilha não nasce de novo ou o banco submerge para as profundezas oceânicas, resta-nos apreciar a beleza da sua vida e movimento: a mistura entre as bolhas, o barulho, os tapetes brancos de bactérias, os peixes em permanente azáfama e os grandes pelágicos que se aproximam do Banco para um período de descanso, de alimentação ou de orientação nas migrações. Lá estavam este ano um pequeno cardume de bonitos, os patudos, as jamantas, os pequenos peixes e o olhar fascinado dos meus colegas. 

Um deles, no final, pediu desculpa aos restantes e admitiu que não tinha conseguido fazer parte do trabalho: “Limitei-me a contemplar, estava perfeito, tive que ficar a contemplar”. Evidentemente, quando se está na Catedral do Mergulho de Portugal e com visibilidade de 40 metros há que olhar, olhar muito, olhar fundo, observar, analisar, porque há tanto para ser visto. Às vezes, mais importante do que medir mais um esotérico parâmetro científico, é contemplar, fortalecer profunda e definitivamente uma amizade por este ainda maravilhoso ambiente marinho dos Açores.

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