quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

As capturas do bacalhau e outras histórias de terror

Ao ler o Diário de Notícias (28/10/2002 pág. 24) não consegui deixar de esboçar um sorriso amarelo. Lá estava a informação que os portugueses em geral mais podiam recear antes do Natal: "Bacalhau em vias de extinção". Esta notícia resulta de um aviso do ICES (Conselho Internacional para a Exploração dos Mares), que defende que a maioria das frotas europeias de pesca ao bacalhau devem cessar imediatamente as actividades! A pescaria do bacalhau é das mais bem estudadas do mundo e com quotas estabelecidas e respeitadas por todos; mesmo assim o Norte da Europa assistiu a uma diminuição contínua das capturas até níveis agora considerados insustentáveis. Evidentemente que, para além de quotas, no Mar do Norte e "arredores" existem períodos e zonas de defeso, o que não parece suficiente. A pescaria intensa e os níveis elevados de poluição não deixam os pequenos peixes chegar à idade de primeira maturação. Apesar dos altos níveis de fecundidade (na ordem dos milhões de ovos por fêmea), a pescaria não recupera. Se o leitor se preocupa, conhece e respeita os princípios de ordenamento e protecção dos mares, deverá estar já a interrogar-se: Então o que é que está mal? Conhecem-se as variáveis, existe um sistema de quotas, há defesos, foram implementadas medidas técnicas (alteração das malhas das redes de arrasto), o que pode estar errado para a pescaria continuar a decrescer? Infelizmente é simples e recorrente: falta de coragem política. Os técnicos avisaram que os níveis de pesca estavam e continuaram acima do aconselhável (ver "Pesca na Europa", edição da UE, nos. 12 e 13, págs. 5 a 7), nunca sendo drasticamente reduzidos. Agora é tarde.
A política comum de pescas está sob fogo e, provavelmente, é a principal responsável. Ao abrir os mares europeus à maioria dos países parceiros, ninguém foi, ou sequer quis ser, suficientemente responsável para fomentar uma gestão eficiente e os mananciais colapsaram. O mais incrível é que a Europa comunitária gasta 1400 milhões de euros para manter uma frota 40% superior ao sustentável! Pode dar azo ao seu descontentamento nas páginas da WWF em: http://www.panda.org/stopoverfishing/petition/.
Se por um lado os pescadores estão em muito má posição, a situação é, por arrasto, péssima em terra. Por cada pescador no mar, existem vários profissionais que trabalham no processamento do pescado, na sua revenda, manutenção de embarcações, segurança no mar, etc. Todos estes profissionais têm agora os empregos em risco.
Nem tudo são más notícias; segundo a ICCAT (Comissão Internacional para Conservação dos Tunídeos do Atlântico), há dados que indiciam que a pesca do espadarte está em recuperação, após 40 anos de declínio. A isso não será alheio o envolvimento de países como os Estados Unidos da América que baniram a exploração desta pescaria de uma área de 344 mil km quadrados e introduziram quotas severas. Segundo afirmou recentemente uma bióloga pesqueira: "para que os mananciais recuperem totalmente, é necessário que os grupos de pressão continuem vigilantes e que forcem a ICCAT a manter as quotas baixas".


P.S. Porquê "Casa-Alugada"? 1. O casa-alugada é um crustáceo, que se apodera das conchas produzidas por seres bem diferentes, os gastrópodes, para a sua sobrevivência; tal como eu, para escrever estas crónicas, junto ao meu, o conhecimento dos meus pares e outras fontes; 2. Este esforçado animal tem que utilizar um artifício para poder sobreviver no meio aquático; tal como nós, mergulhadores, utilizamos o equipamento de mergulho; e 3. Tal como o casa-alugada muda de concha, aqui exponho a minha efémera opinião, porque eu próprio só acredito nela enquanto não encontrar outra melhor.

Publicado na coluna "Casa Alugada"

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